O Bobo - Cap. 14: XIV - Amor e vingança Pág. 152 / 191

– Bárbaro, que afrontas a desventura! – replicou Dulce, cujas faces de novo haviam descorado. – Saberás tudo, já que assim Deus o quis... Poucos dias me restam; mas esses não os quero viver caluniada e desprezada por ti... Foi no meio de um banquete de noivado, quando as taças cintilavam erguidas, e as suspeitas carregavam o semblante do cavaleiro que devia estar mais alegre, e o coração da mulher que as outras invejavam estalava de dor; foi então que se ouviu correr pelas torres e atalaias o grito de «inimigos!»; foi ao soar das trombetas, e ao desaparecerem os cavaleiros como relâmpagos, que a mulher, cujo coração estalava de dor, se achou só... Era a noiva: o esposo também partira. Então a desgraçada correu a lançar-se aos pés da rainha e obteve a tua liberdade... Sabes quem era esta noiva?... Adivinhaste-o já. Tive de escolher entre a tua morte e ser mulher de Garcia. Não hesitei. E, todavia, eu era burlada: e tu devias morrer... Agora aqui estou... Vem, se queres... Fugirás com uma adúltera!... com uma adúltera... Será esse o nome que o mundo escreverá na fronte daquela que tanto amaste!

Egas ficou imóvel olhando para ela desorientado. Depois estendendo as mãos e recuando ainda mais, bradou com um gesto de horror:

– Perdição eterna para mim! Perdição para ti, que me assassinaste!

Dulce considerou calada por um momento aquele horrível delírio. Trémula e cheia de terror caiu por terra murmurando entre lágrimas:

– Egas, perdoa-me o ter-te salvado! Por tua mãe, pelo nosso amor, que foi tão puro, oh, não me odeies. Quem sabe?!... ante nós está a mocidade e o futuro... Foge... salva-te, que ainda é tempo!

O cavaleiro, porém, conservando os braços estendidos e hirtos, voltou a face e respondeu furioso:

– Arreda-te, mulher do estrangeiro! Que pretendes de um condenado? Deixa-me descer ao inferno sem me perseguir até lá!... Fugir! oh, eu fugir?!

E ria com rir medonho.

Dulce arrastou-se para ele soluçando.

– Vai-te – prosseguiu o trovador; e afastando-se até ao primeiro degrau da escada que dava para o alçapão ferrado da masmorra, e levantando a voz: – Carcereiros, levem esta mulher sem pudor, que vem tentar um moribundo na hora solene do passamento!





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