O Bobo - Cap. 3: III - O Sarau Pág. 21 / 191

Um deles, alto, magro, trigueiro e calvo, porém não de velhice, porque era homem de quarenta anos, trajava um saio negro, comprido, e apertado pela cintura com uma larga faixa da mesma cor, vestuário próprio do clero daquele tempo; o outro, ancião venerável, tinha vestida uma cogula monastical, igualmente negra, segundo a usança dos monges bentos; o terceiro finalmente, o mais moço dos três, era um cavaleiro que mostrava ter pouco mais de trinta anos, membrudo, alvo, cabelos anelados e louros – um verdadeiro nobre da raça germânica dos Visigodos. O clérigo calvo, com os olhos quase sempre fitos no chão, só os punha de relance naquele dos dois que falava; mas este olhar incerto e sorrateiro bastava para descobrir nele uma indiferença hipócrita e uma curiosidade real. No rosto do velho pintava-se profunda atenção, principalmente às palavras do mancebo, as quais, enérgicas, veementes e rápidas, davam testemunho das vivas comoções que agitavam a sua alma. Dos três grupos em que no meio de tantos outros fizemos principalmente reparar o leitor, já ele conhece as personagens do primeiro – a viúva do conde Henrique e Fernando Peres de Trava. Para clareza desta importante história necessário é que lhe digamos quem eram os que compunham os outros dois, e lhe expliquemos os porquês da situação respectiva de cada um desses indivíduos. Entre as donzelas da infanta-rainha uma havia em que ela, mais que em nenhuma outra, tinha posto as suas afeições e complacências; e com razão: criara-a de pequenina. Dulce era filha de D. Gomes Nunes de Bravais, rico-homem que morrera na rota de Vatalandi combatendo como esforçado a par do conde borgonhês. Expirando, o nobre cavaleiro encomendou sua filha órfã à protecção do conde. Este não se esqueceu da súplica do guerreiro moribundo; trouxe a órfã para seus paços, e entregou-a a sua mulher. Nos tenros anos, Dulce prometia ser formosa, e, o que não era de menos valor, de um carácter nobre e enérgico e ao mesmo tempo meigo e bondoso. Pouco a pouco D. Teresa lhe ganhou amor de mãe. Até aos vinte anos, que já Dulce contava, este amor não afrouxara, nem no meio dos graves cuidados que cercaram a infanta nos primeiros anos da sua viuvez, nem com a louca afeição do conde Fernando Peres. As esperanças que a donzela dera se haviam inteiramente realizado. Dulce era um anjo de bondade e de formosura.





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