O Bobo - Cap. 8: VIII - Reconciliação Pág. 72 / 191

Enquanto tudo isto indistinto, travado, doloroso, fugia pela sua alma com mais rapidez do que nós o exprimimos, a porta em que o cavaleiro tinha os olhos fitos, através da ramagem do caramanchão, acabou de rodar nos gonzos, e um vulto saiu para o jardim. A figura e o trajo eram de mulher. O seu andar vagaroso e incerto, o arquejar comprimido, o volver contínuo do rosto, como quem observava se era seguida, davam claros sinais da viva inquietação que a agitava. Trazia vestido singelamente um epitógio escuro, e os cabelos envoltos em rede tenuíssima de ouro. À escassa claridade, que derramava longínquo fulgir das estrelas, aquele vulto de mulher semelhava-se a um anjo perdido nas trevas do mundo e da noite, tanto as suas formas eram suaves e ao mesmo tempo severas, os seus meneios nobres e modestos. O cavaleiro olhou mais atentamente... Era Dulce! Um grito de amor, de cólera, de prazer, de indignação, conglobados em gemido infernal, esteve a ponto de lhe fugir por entre os dentes cerrados: mas uma vontade de ferro conteve aquele primeiro impulso. Dulce havia parado.

E parara bem perto dele! Egas aspirava o perfume de seus cabelos, cria ouvir-lhe o cicio do respirar, o ranger das roupas negras, e nos olhos o brilho de uma lágrima. Escutou. A donzela alçou a fronte para o céu e murmurou:

– Desventurado! desventurado!

O trovador descobriu nestas palavras a angústia do remorso: era por certo o remorso quem arrancara esta expressão de piedade àquela que o traíra. Quem havia aí, senão ele, que fosse desventurado?

– Toda a afeição de uma irmã eu guardarei para ti – prosseguiu Dulce. Hei-de cumprir essa promessa que fiz perante o Senhor que me ouve! Mas o meu amor é já de outrem: como o repartirei contigo?

A donzela parecia delirar: tinha os braços estendidos e as mãos unidas como implorando a piedade de algum ente só para ela visível.





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