O Bobo - Cap. 9: IX - O desafio Pág. 82 / 191

Declarou que a sua resolução inabalável era ir ao encontro dos rebeldes com os cavaleiros, besteiros e peões, pela maior parte estrangeiros1, que de contínuo chegavam a Guimarães atraídos pelos grossos censos ou soldos que lhes oferecia o conde. Os instintos guerreiros de D. Teresa, que os anos e os reveses haviam amortecido, despertavam de novo vigorosos na hora em que era necessário encarar face a face os perigos que até este momento ainda pareciam remotos.

Assim, esta noite passava bem diferente daquela em que no meio de alegre sarau só a bela infanta, mau grado seu, se mostrara triste e aborrecida. Aqui eram os cavaleiros que pareciam inquietos e desconversáveis: os dois bandos bem sabiam que não tardava o dia em que se encontrassem novamente, não na mesa do banquete, mas no campo das lides, onde o escorrer do sangue nos ferros substituiria o escumar do vinho nas taças de prata. Para eles esta festa brilhante correspondia à ceia do algoz e do sentenciado debaixo das abóbadas de um cárcere na véspera do suplício. Qual era o saião? – qual a vítima? Eis o que ninguém sabia.

Mas talvez nenhum gesto dava mostras, não de melancolia mas de inquietação, como o do conde de Trava. De instante a instante ele volvia os olhos para o portal da sala de armas, como se esperasse alguém; e de feito um lugar à sua esquerda ficara vazio na esplêndida mesa ao começar do banquete. Era o do novo alferes-mor. Este, desde que se apartara do conde, ninguém mais o tinha visto.

Muito havia já que era noite, e as taças, que os escanções, correndo por detrás das longas fileiras de cavaleiros com os pichéis nas mãos, enchiam de novo apenas, eram esgotadas, começavam a fazer seu ofício: as frontes iam-se pouco a pouco desenrugando e soltando-se as línguas. Nos banquetes daquela idade rude e feroz às vezes o sangue corria como pospasto, e quase sempre a conclusão do festim era uma orgia infernal em que o convívio se tornava em cena abjecta de embriaguez.





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