O Bobo - Cap. 9: IX - O desafio Pág. 86 / 191

Daí a pouco, o mordomo da cúria descendo do estrado, onde estava em pé a pouca distância de D. Teresa, acercou-se do topo da mesa dos cavaleiros, e parando junto de Fernando Peres:

– Senhor conde de Portugal e Coimbra – disse –, nobres ricos-homens destes senhorios, infanções de além-Douro e aquém-Minho, cavaleiros, prestameiros e alcaides, a mui excelente rainha dos Portugueses vos roga espereis o romper da alvorada para voltardes a vossos castelos e solares. Os chefes de linhagem3, que possuem paços ou bairros coutados e honrados no burgo de Guimarães, não recusarão guarda por uma noite aos de seu sangue; os outros serão albergados neste mesmo castelo. São as ordens que recebi de minha graciosíssima senhora.

Ninguém respondeu; porque D. Teresa ergueu-se imediatamente e, fazendo uma leve cortesia aos cavaleiros que se tinham posto em pé, saiu do aposento.

Este acontecimento preveniu talvez algum caso funesto entre o Lidador e Fernando Peres. A sua disputa política tinha chegado a tal ponto que debalde havia tentado pôr-lhe termo o mui pacífico abade beneditino. A confusão, porém, que produziu na sala tanto a oferta da rainha como a sua repentina partida separou os dois contendores, a quem a cólera ia brevemente fazer esquecer o lugar onde se achavam.

Os senhores e cavaleiros apenas a rainha partira se haviam espalhado pela sala do banquete e pela sala de armas. O sino de recolher ainda tardaria a soar na torre alvarrã do castelo, e a maior parte deles saiu pouco a pouco do paço e desapareceu pelas ruas torcidas do burgo, onde nas pousadas dos de sua ou de alheia linhagem foram no meio do jogo e da embriaguez concluir o festim subitamente interrompido. Eram os costumes do tempo.

O conde de Trava ficara. Quando viu quase ermo o aposento, dirigiu-se para Garcia Bermudes, que entregue a distracção melancólica se encostara à balaustrada que dividia em parte o estrado da rainha do resto da sala. Chegando junto dele, o conde, pondo-lhe a mão sobre o ombro, perguntou em voz baixa:

– Estão de feito tomadas todas as portas do burgo? Não poderá sair cavaleiro algum?





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