Amor de Perdição - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 119 / 145

João da Cruz, no dia 4 de Agosto de 1805, sentou-se à mesa com triste aspecto e nenhum apetite do almoço.

– Não comes, João? – disse-lhe a cunhada.

– Não passa daqui o bocado – respondeu ele pondo os dedos nos gorgomilos.

– Que tens tu?

– Tenho saudades da rapariga… dava agora tudo quanto tenho para a ver aqui ao pé de mim, com aqueles olhos que pareciam ir direitos aos desgostos que um homem tem no seu interior. Mal hajam as desgraças da minha vida, que ma fizeram perder, Deus sabe se para pouco, se para sempre!… Se eu não tivesse dado o tiro no almocreve, não vinha a ficar em obrigação ao corregedor, e não se me dava que o filho vivesse ou morresse…

– Mas se tens saudades – atalhou a senhora Josefa – manda buscar a rapariga, tem-la cá algum tempo, e torna depois para onde ao senhor Simão.

– Isso não é de homem que põe navalha na cara, Josefa. O rapaz, se ela lhe falta, morre de pasmo dentro daqueles ferros. Isto é veneta que me deu hoje… Sabes que mais? Leve a breca o dinheiro: amanhã vou ao Porto.

– Pois isso é o que deves fazer.

– Está dito. Quem cá ficar que o ganhe. Vão-se os anéis e fiquem os dedos. Por ora, tem-se resistido a tudo com o meu braço. A rapariga, se ficar com menos, lá se avenha. Assim o quer, assim o tenha.

Reanimou-se a fisionomia do mestre ferrador, e como que os empeços da garganta se iam removendo à medida que planizava a sua ida ao Porto.

Acabara de almoçar, e ficara cismático, encostado à mesa do escano.

– Ainda estás malucando?! – tornou Josefa.

– Parece coisa do demónio, mulher!… A rapariga estará doente ou morta?

– Anjo bento da Santíssima Trindade – exclamou a cunhada, erguendo as mãos. – Que dizes tu, João?

– Estou cá por dentro negro como aquela sertã!

– Isso é flato, homem! Vai tomar ar, trabalha um poucochinho para espaireceres. João da Cruz passou ao coberto onde tinha o armário da ferragem e a bigorna, e começou a atarracar cravos.





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