Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 2: PRIMEIRA PARTE – CORAÇÃO
CAPÍTULO I - SETE MULHERES Pág. 25 / 156

Acaso soubera ela que uma notável modista francesa, estabelecida em Lisboa, mandara escriturar em Paris algumas oficias. Mademoiselle Elise de La Sallete mudou o nome, escriturou-se, e veio expiar a sua culpa na hora do trabalho. Eis aqui a história, que eu ouvi com os olhos marejados de lágrimas.

Depois desta revelação, a minha linguagem baixou a prosa vil; mas o sentir da alma era mais íntimo e nobre. Tratei-a com o respeito que impõe a desgraça, mormente se a vítima caiu do altar das adorações à ara negra do holocausto da sua santa e virginal confiança. Ao entardecer, quando Cibrão voltava dos maciços de arbustos, pedi licença à nobre infeliz para lhe apertar a mão e dar-lhe o nome venerável e venerador de amigo.

Despedimo-nos.

Cibrão convenceu-me de que o amor estava nas murtas e saíra, ao vê-los, segregando a cada um a linguagem com que cabalmente, e quantum satis, se perceberam. Eu vinha pasmado do que ele me contou; e, se o não transmito, é que não quero ter os leitores em pasmo. Ora ele também vinha pasmado de mim. Eu a dizer-lhe, em pungimentos de ânimo, a sorte infausta de Mademoiselle Elisa de la Sallete, e ele a rir, e clamar: “Que araras tu engoles! Leve o diabo a poesia, que faz um homem tolo!”

Entendi que o meu amigo era um estúpido feliz, e calei-me.

Escrevi muito nessa noite. Ainda tenho os dois primeiros capítulos de um romance, então começado, com o título: Abismos do Amor. No primeiro descrevo Elisa ab ovo, quero dizer, na incubação dos anjos, que a tinham gerado. Isto orçava por parvoíce; mas era original - merecimento raro nas parvoíces que por aí se escrevem e dizem. No segundo capítulo deito-a em berço de ouro, rodeio-a de boas e más fadas, de anjos fiéis ao Senhor e de anjos despenhados no Inferno.





Os capítulos deste livro