Cá entre nós, andava encarecida nas palestras dos peraltas e requestada com finezas pelos mais gentis rapazes da roda (como quem diz enjeitados da fortuna), e com promessa de grosso cabedal por alguns velhos ricos, velhos digo ao dizer do vulgo, que em Lisboa só se sabe que Fulano ou sicrano era velho, quando morre, se a lista da mortalidade nos diz em que cemitério foi enterrado e os anos que tinha. Em Lisboa não há velho nenhum vivo. É frequente ouvir a gente esta pergunta feita a um homem de cinquenta anos: “Esteve em Sintra?” “Oh!”, responde, anediando a estriga do bigode encapada em lúcido verniz, “estive em Sintra, minha senhora.” “Estava muita gente no jantar da prima viscondessa?” “Sim, minha querida senhora marquesa; damas eram trinta; rapazes éramos vinte e sete.”
Tornando à francesa, coisa a que não pode chamar-se vaca-fria:
Dei-lhe uma ideia da minha alma. Contei-lhe os meus sofrimentos em demanda da mulher, que a fantasia em sonhos me vestia com as roupas cândidas do anjo. Disse-lhe mais que a sua imagem como resplendor de lua instantâneo, na horrível cerração de noite borrascosa, dans l'affreuse obscurité d'orageuse nuit, me tinha transluzido nas trevas do meu viver.
A francesa ouviu-me pasmada, e assim a modo de medrosa, como pomba, que se teme da garrulice de um papagaio. A cada movimento melodramático das minhas mãos davam-lhe rebate os nervos, com menos alvoroço de pudor que o de Virgínia nos assaltos lúbricos do decênviro Appius Claudius, de desonesta memória.
Convencida da inocência da minha mímica cobrou ânimo a dama e contou- me que era menina de boa família de Paris, e como tal se julgara digna consorte de um duque fementido, que a raptara e abandonara. À terceira tentativa inútil contra sua vida, resolveu a vítima do duque fugir de Paris para que a sua sociedade a não visse na perdição.