Os Maias - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 103 / 630

Feito chefe de missão, absteve-se: foi só quando viu o Fígaro celebrar repetidamente as valsas do príncipe Artof, embaixador da Rússia em Paris, e a voz de basso do conde de Baspt, embaixador da Áustria em Londres, que ele, seguindo tão altos exemplos, arriscou, aqui e alem, em soirées mais intimas, algumas melodias finlandesas. Enfim cantou no Paço. E desde então exerceu com zelo, com formalidades, com praxes, o seu cargo de «barytono plenipotenciario,» como dizia o Ega. Entre homens, e com os reposteiros corridos, Steinbroken não duvidava todavia cantarolar o que ele chamava «cançonetas brejeiras» - o Amante de Amanda, ou uma certa balada inglesa:

On the Serpentine,

Oh my Caroline...

Oh!

Este oh! como ele o expelia, gemido, bem puxado, num movimento de batuque, expressivo e todavia digno... Isto entre rapazes e com os reposteiros fechados.

Nessa noite, porém, o marquês, que o conduzia pelo braço à sala do piano, exigia uma daquelas canções da Finlândia, de tanto sentimento e que lhe faziam tão bem à alma...

- Uma que tem umas palavrinhas de que eu gosto, frisk, gluzk... La ra lá, lá, lá!

- A Primavera, disse o diplomata sorrindo.

Mas antes de entrar na sala, o marquês soltou o braço de Steinbroken, fez um sinal ao Silveirinha para o fundo do corredor - e aí, sob um sombrio painel de Santa Magdalena no deserto penitenciando-se e mostrando nudezas ricas de ninfa lubrica, interpelou-o quase com aspereza:

- Vamos nós a saber. Então, decide-se ou não?

Era uma negociação que havia semanas se arrastava entre eles, a respeito de uma parelha de éguas. Silveirinha nutria o desejo de montar carruagem; e o marquês procurava vender-lhe umas éguas brancas, a que ele dizia «ter tomado enguiço, apesar de serem dois nobres animais». Pedia por elas um conto e quinhentos mil réis.





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