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Capítulo 5: Capítulo 5

Página 104
Silveirinha fora avisado pelo Sequeira, por Travassos, por outros entendedores, que era uma espiga: o marquês tinha a sua moral própria para negócios de gado, e exultaria em intrujar um pichote. Apesar de advertido, Eusébio cedendo à influência da grossa voz do marquês, da robustez do seu físico, da antiguidade do seu título, não ousava recusar. Mas hesitava; e nessa noite deu a resposta usual de forreta, coçando o queixo, cosido ao muro:

- Eu verei, marquês... Um conto e quinhentos é dinheiro...

O marquês ergueu dois braços ameaçadores como duas trancas:

- Homem, sim ou não! Que diabo... Dois animais que são duas estampas... Irra ! Sim ou não!

Eusébio ajeitou as lunetas, rosnou:

- Eu verei... Ele é dinheiro. Sempre é dinheiro...

- Queria você, talvez, pagá-las com feijões? Você leva-me a cometer um excesso!

O piano ressoou, em dois acordes cheios, sob os dedos do Cruges; e o marquês, baboso por música, imediatamente largou a questão das éguas, recolheu em pontas de pés. Eusébiozinho ainda ficou a remoer, a coçar o queixo; enfim, às primeiras notas de Steinbroken, veio pousar como uma sombra silenciosa entre a ombreira e o reposteiro.

Afastado do piano segundo o seu costume, curvado, com a cabeleira como pousada às costas, Cruges feria o acompanhamento, de olhos cravados no livro de Melodias Finlandesas. Ao lado, empertigado, quase oficial, com o lenço de seda na mão, a mão fincada contra o peito, Steinbroken soltava um canto festivo, num movimento de tarantela triunfante, em que passavam, como um entrechocar de seixos, esses bocados de palavras de que o marquês gostava, frisk, slécht, clikst, glukst. Era a Primavera - fresca e silvestre, primavera do norte em país de montanhas, quando toda uma aldeia dança em coros sob os fuscos abetos, a neve se derrete em cascatas, um sol pálido aveluda os musgos, e a brisa traz o aroma das resinas... Nos graves e cheios, as cantoneiras de Steinbroken ruborizavam-se, inchavam. Nos tons agudos todo ele se ia alçando sobre a ponta dos pés, como levado no compasso vivo; despegava então a mão do peito, alargava um gesto, as belas jóias dos seus anéis faiscavam.

O marquês, com as mãos esquecidas nos joelhos, parecia beber o canto.

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Capa do livro Os Maias
Páginas: 630
Página atual: 104

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 26
Capítulo 3 45
Capítulo 4 75
Capítulo 5 98
Capítulo 6 126
Capítulo 7 162
Capítulo 8 189
Capítulo 9 218
Capítulo 10 260
Capítulo 11 301
Capítulo 12 332
Capítulo 13 365
Capítulo 14 389
Capítulo 15 439
Capítulo 16 511
Capítulo 17 550
Capítulo 18 605