Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 128 / 630

Carlos, muito seriamente, aconselhou-lhe que tirasse o espelho. Ega deu a todo o leito um olhar silencioso e doce, e disse depois do passar uma pontinha de língua pelo beiço:

- Tem seu chic...

Sobre a mesinha de cabeceira erguia-se um montão de livros: a Educação de Spencer ao lado de Beaudelaire, a Logica de Stuart Mil por cima do Cavaleiro da Casa Vermelha. No mármore da cómoda havia outra garrafa de Champagne entre dous copos; o toucador, um pouco em desordem, mostrava uma enorme caixa de pó de arroz no meio de plastrons e gravatas brancas do Ega, e um maço de ganchos do cabelo ao lado de ferros de frisar.

- E onde trabalhas tu, Ega, onde fazes tu a grande arte?

- Ali! disse o Ega, alegremente, apontando para o leito.

Mas foi mostrar logo o seu recantozinho estudioso, formado por um biombo, ao lado da janela, e tomado todo por uma mesa de pé de galo, onde Carlos assombrado descobriu, entre o belo papel de cartas do Ega, um Dicionário de Rimas...

E a visita à casa continuou.

Na sala de jantar, quase nua, caiada de amarelo, um armário de pinho envidraçado abrigava melancolicamente um serviço barato de louça nova; e do fecho da janela pendia um vestuário vermelho, que parecia roupão de mulher.

- É sóbrio e simples - exclamou o Ega - como compete àquele que se alimenta de uma côdea de ideal e duas garfadas de Filosofia. Agora, à cozinha!...

Abriu uma porta. Uma frescura de campos entrava pelas janelas abertas; e entreviam-se árvores de quintal, um verde de terrenos vagos, depois lá em baixo o branco de casarias rebrilhando ao sol; uma rapariga muito sardenta e muito forte sacudiu o gato do colo, ergueu-se, com o Jornal de Noticias na mão. Ega apresentou-a, num tom de farsa:

- A Sr.ª Josefa, solteira, de temperamento sanguíneo, artista culinária da «Vila Balzac», e como se pode observar pelo papel que lhe pende das garras, cultora das boas letras!

A moça sorria, sem embaraço, habituada decerto a estas familiaridades boémias.

- Eu hoje não janto cá, senhora Josefa, continuava o Ega no mesmo tom.





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