Nesse momento a porta envidraçada abriu-se de golpe, Ega exclamou: «Saúde ao poeta»!
E apareceu um individuo muito alto, todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes grisalhos: já todo calvo na frente, os anéis fofos de uma grenha muito seca caíam-lhe inspiradamente sobre a gola: e em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lúgubre.
Estendeu silenciosamente dois dedos ao Dâmaso, e abrindo os braços lentos para Craft, disse numa voz arrastada, cavernosa, ateatrada:
- Então és tu, meu Craft! Quando chegaste tu, rapaz? Dá-me cá esses ossos honrados, honrado inglês!
Nem um olhar dera a Carlos. Ega adiantou-se, apresentou-os:
- Não sei se são relações. Carlos da Maia... Thomaz d'Alencar, o nosso poeta...
Era ele! o ilustre cantor das Vozes de Aurora, o estilista de Elvira, o dramaturgo do Segredo do Comendador. Deu dois passos graves para Carlos, esteve-lhe apertando muito tempo a mão em silêncio - e sensibilizado, mais cavernoso:
- V. ex.ª, já que as etiquetas sociais querem que eu lhe dê excelência, mal sabe a quem apertou agora a mão...
Carlos, surpreendido, murmurou:
- Eu conheço muito de nome...
E o outro com o olho cavo, o lábio trémulo:
- Ao camarada, ao inseparável, ao íntimo de Pedro da Maia, do meu pobre, do meu valente Pedro!
- Então, que diabo, abracem-se! gritou Ega. Abracem-se, com um berro, segundo as regras...
Alencar já tinha Carlos estreitado ao peito, e quando o soltou, retomando-lhe as mãos, sacudindo-lhas, com uma ternura ruidosa:
- E deixemo-nos já de excelências! que eu vi-te nascer, meu rapaz! trouxe-te muito ao colo! sujaste-me muita calça! Co'os diabos, dá cá outro abraço!
Craft olhava estas coisas veementes, impassível; Dâmaso parecia impressionado; Ega apresentou um copo de vermute ao poeta:
- Que grande cena, Alencar! Jesus, Senhor! Bebe, para te recuperares da emoção...