Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 139 / 630

Alencar esgotou-o de um trago: e declarou aos amigos que não era a primeira vez que via Carlos. Já o admirara no seu fáeton, muitas vezes, e aos seus belos cavalos ingleses. Mas não se quisera dar a conhecer. Ele nunca se atirava aos braços de ninguém, a não ser das mulheres... Foi encher outro cálice de vermute, e com ele na mão, plantado diante de Carlos, começou, num tom patético:

- A primeira vez que te vi, filho, foi no Pote das Almas! Estava eu no Rodrigues, esquadrinhando alguma dessa velha literatura, hoje tão desprezada... Lembro-me até que era um volume das Éclogas do nosso delicioso Rodrigues Lobo, esse verdadeiro poeta da natureza, esse rouxinol tão português, hoje, está claro, metido a um canto, desde que para aí apareceu o Satanismo, o Naturalismo e o Bandalhismo, e outros esterquilínios em ismo... Nesse momento passaste, disseram-me quem eras, e caiu-me o livro da mão... Fiquei ali uma hora, acredita, a pensar, a rever o passado...

E atirou o vermute às goelas. Ega, impaciente, olhava o relógio. Um criado, entrando, acendeu o gaz; a mesa surgiu da penumbra, com um brilho de cristais e louças, um luxo de camélias em ramos.

No entanto Alencar (que à luz viva parecia mais gasto e mais velho) começara uma grande história, e como fora ele o primeiro que vira Carlos depois de nascer, e como fora ele que lhe dera o nome.

- Teu pai, dizia ele, o meu Pedro, queria-te pôr o nome de Afonso, desse santo, desse varão doutras idades, Afonso da Maia! Mas tua mãe que tinha lá as suas ideias teimou em que havias de ser Carlos. E justamente por causa de um romance que eu lhe emprestara; nesses tempos podiam-se emprestar romances a senhoras, ainda não havia a pústula e o pus... Era um romance sobre o último Stuart, aquele belo tipo do príncipe Carlos Eduardo, que vocês, filhos, conhecem todos bem, e que na Escócia, no tempo de Luiz XIV... Enfim, adiante! Tua mãe, devo dizê-lo, tinha literatura e da melhor. Consultou-me, consultava-me sempre, nesse tempo eu era alguém, e lembro-me de lhe ter respondido... (Lembro-me apesar de já lá irem vinte e cinco anos... Que digo eu? Vinte e sete!





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