Os Maias - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 219 / 630

Explicou-lho, sem se sentar, apressado, enquanto Carlos, de braços cruzados, considerava quanto era medonho o alfinete de peito que Vilaça trazia (um macacão de coral comendo uma pêra de ouro) e distinguia vagamente, através da sua neblina mental, que se tratava de um visconde de Torral e de porcos... Quando Vilaça lhe apresentou os papéis, assignou-os com um ar moribundo.

- Então não fica para almoçar, Vilaça? disse ele, vendo o procurador meter o seu rolo de papeis debaixo do braço.

- Muito agradecido a v. exa. Tenho de me encontrar com o nosso amigo Eusébio... Vamos ao ministério do reino, ele tem lá uma pertenção... Quer a comenda da Conceição... Mas este governo está desgostoso com ele.

- Ah, murmurou Carlos com respeito e através de um bocejo, o governo não está contente com o Eusébiozinho?

- Não se portou bem nas eleições. Ainda há dias, o ministro do reino me dizia, em confidência: «O Eusébio é rapaz de merecimento, mas atravessado...» V. Ex.ª noutro dia, disse-me o Cruges, encontrou-o em Sintra.

- Sim, lá estava a fazer jus à comenda da Conceição.

Quando Vilaça saiu Carlos retomou lentamente a pena, e ficou um momento, com os olhos na página meio-escrita, coçando a barba, desanimado e estéril. Mas quase em seguida apareceu Afonso da Maia, ainda de chapéu, à volta do seu passeio matinal no

bairro, e com uma carta na mão, que era para Carlos, e que ele achara no escritório misturada ao seu correio. Além disso, esperava encontrar ali o Vilaça.

- Esteve aí, mas deitou a correr, para ir arranjar uma comenda para o Eusébiozinho - disse Carlos, abrindo a carta.

E teve uma surpresa, vendo no papel - que cheirava a verbena como a condessa de Gouvarinho - um convite do conde para jantar no sábado seguinte, feito em termos de simpatia tão escolhidos que eram quase poéticos; tinha mesmo uma frase sobre a amizade, falava dos átomos em gancho de Descartes. Carlos desatou a rir, contou ao avô que era um par do reino que o convidava a jantar, citando Descartes...

- São capazes de tudo, murmurou o velho.

E dando um olhar risonho aos manuscritos espalhados sobre a banca:

- Então, aqui, trabalha-se, hein?





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