Baptista, com a casaca na mão, esperava que Carlos acabasse a chávena de chá preto que ele estava bebendo aos golos, de pé, em mangas de camisa, e de gravata branca.
De repente, o timbre eléctrico da porta particular retiniu, apressado e violento.
- Talvez outra surpresa, murmurou Carlos, hoje é o dia das surpresas...
Baptista sorriu, ia pousar a casaca para abrir - quando em baixo vibrou outro repique brutal, de uma impaciência frenética.
Então Carlos, curioso, saiu à antecâmara: e aí, à meia luz das lâmpadas Carcel, ainda quebrantada pelo tom dos veludos cor de cereja, viu, ao abrir-se a porta por onde entrou um sopro áspero da noite, aparecer vivamente uma forma esguia e vermelha, com um confuso tinir de ferro. Depois, pela escada acima, duas penas negras de galo ondearam, um manto escarlate esvoaçou - e o Ega estava diante dele, caracterizado, vestido de Mefistófeles!
Carlos apenas pôde dizer bravo - o aspecto do Ega emudeceu-o. Apesar dos toques de caracterização que quase o mascaravam, sobrancelhas de diabo, guias de bigode ferozmente exageradas - sentia-se bem a aflição em que vinha, com os olhos injectados, perdido, numa terrível palidez. Fez um gesto a Carlos, arremessou-se pelo gabinete dentro. Baptista, logo, discretamente, retirou-se cerrando o reposteiro.
Estavam sós. Então Ega, apertando desesperadamente as mãos, numa voz rouca e de agonia:
- Tu sabes o que me sucedeu, Carlos?
Mas não pôde dizer mais, sufocado, tremendo todo; e diante dele, devorando-o com os olhos, Carlos tremia também, enfiado.
- Cheguei a casa dos Cohens, continuou Ega por fim com esforço e quase balbuciando, mais cedo, como tínhamos combinado. Ao entrar na sala, já estavam duas ou três pessoas... Ele vem direito a mim, e diz-me: «Você, seu infame, ponha-se já no meio da rua... Já no meio da rua senão, diante desta gente, corro-o a pontapés!» E eu, Carlos...