E então tranquilizou-o. Não, por imprudência não havia ele de «perder a cousa». Aquilo ia com todas as regras. Lá nisso sobrava-lhe experiência. A Melanie já a tinha na mão; já lhe dera duas libras.
- Isto de mais a mais é uma coisa muito seria... Ela conhece meu tio, é íntima dele desde pequena, tratam-se até por tu...
- Que tio?
- Meu tio Joaquim... Meu tio Joaquim Guimarães. Mr. de Guimaran, o que vive em Paris, o amigo de Gambeta...
- Ah sim, o comunista...
- Qual comunista, até tem carruagem!
Subitamente lembrou-lhe outra coisa, um ponto de toilete em que queria consultar Carlos.
- Amanhã vou jantar com eles, e vão também dois brasileiros, amigos dele, que chegaram aí há dias, e que partem pelo mesmo paquete... Um é chic, é da Legação do Brasil em Londres. De maneira que é jantar de cerimónia. O Castro Gomes não me disse nada; mas que te parece, achas que vá de casaca?...
- Sim, atira-lhe casaca, e uma boa rosa na lapela.
O Dâmaso olhou-o, pensativo.
- A mim tinha-me lembrado o hábito de Cristo.
- O hábito de Cristo... Sim, põe o hábito de Cristo ao pescoço, e põe a rosa na botoeira.
- Será talvez de mais, Carlos!
- Não, fica bem ao teu tipo.
Dâmaso fizera parar o coupé que os tinha seguido a passo. E no último aperto de mão a Carlos:
- Tu sempre vais à noite, aos Cohens, de dominó? O meu fato de selvagem ficou divino. Eu venho mostrá-lo à noite à brasileira... Entro no Hotel embrulhado num capote, e apareço-lhes de repente na sala, de selvagem, de Nelusko, a cantar:
Alerta, marinari,Il vento cangia...
Chic a valer!... Good bye!
Às dez horas Carlos vestia-se para o baile dos Cohens. Fora, a noite fizera-se tenebrosa, com lufadas de vento, pancadas de água, que a cada instante batiam agrestemente o jardim. Ali, no gabinete de toilete, errava no ar tépido um vago aroma de sabonete e de bom charuto. Sobre duas cómodas de pau-preto, marchetadas a marfim, duas serpentinas de velho bronze erguiam os seus molhos de velas acesas, pondo largos reflexos doces sobre a seda castanha das paredes.