Os Maias - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 24 / 630

No assento defronte, quase todo tomado por cartões de modista, encolhia-se o Monforte, de grande chapéu panamá, calça de ganga, o mantelete da filha no braço, o guarda-sol entre os joelhos. Iam calados, não viram o mirante; e, no caminho verde e fresco, a caleche passou com balanços lentos, sob os ramos que roçavam a sombrinha de Maria. O Sequeira ficara com a chávena de café junto aos lábios, de olho esgazeado, murmurando:

- Caramba! É bonita!

Afonso não respondeu: olhava cabisbaixo aquela sombrinha escarlate, que agora se inclinava sobre Pedro, quase o escondia, parecia envolvê-lo todo - como uma larga mancha de sangue alastrando a caleche sob o verde triste das ramas.

O outono passou, chegou o inverno, frigidíssimo. Uma manhã, Pedro entrou na livraria onde o pai estava lendo junto ao fogão; recebeu-lhe a bênção, passou um momento os olhos por um jornal aberto, e voltando-se bruscamente para ele:

- Meu pai, - disse, esforçando-se por ser claro e decidido - venho pedir-lhe licença para casar com uma senhora que se chama Maria Monforte.

Afonso pousou o livro aberto sobre os joelhos, e numa voz grave e lenta:

- Não me tinhas falado disso... Creio que é a filha de um assassino, de um negreiro, a quem chamam também a negreira...

- Meu pai!

Afonso ergueu-se diante dele, rígido e inexorável como a encarnação mesma da honra domestica.

- Que tens a dizer-me mais? Fazes-me corar de vergonha.

Pedro, mais branco que o lenço que tinha na mão, exclamou todo a tremer, quase em soluços:

- Pois pode estar certo, meu pai, que hei de casar! Saiu, atirando furiosamente com a porta. No corredor gritou pelo escudeiro, muito alto para que o pai ouvisse, e deu-lhe ordem para levar as suas malas ao hotel da Europa.

Dois dias depois Vilaça entrou em Benfica, com as lágrimas nos olhos, contando que o menino casara nessa madrugada – e segundo lhe dissera o Sérgio, procurador do Monforte, ia partir com a noiva para a Itália.





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