Maria Eduarda fora passear a Belém com Rosa deixando-lhe um bilhete, em que lhe pedia para vir à noite faire un bout de causerie. Carlos desceu as escadas, devagar, guardando esse bocadinho de papel na carteira como uma doce relíquia; e saía o portão, no momento em que o Alencar desembocava defronte, da travessa da Parreirinha, todo de preto, moroso e pensativo. Ao avistar Carlos, parou de braços abertos; depois vivamente, como recordando-se, ergueu os olhos para o primeiro andar.
Não se tinham visto desde as corridas, o poeta abraçou com efusão o seu Carlos. E falou logo de si, copiosamente. Estivera outra vez em Sintra, em Colares com o seu velho Carvalhosa: e o que se lembrara do rico dia passado com Carlos e com o maestro em Sitiais!... Sintra uma beleza. Ele, um pouco constipado. E apesar da companhia do Carvalhosa, tão erudito e tão profundo, apesar da excelente música da mulher, da Julinha (que para ele era como uma irmã), tinha-se aborrecido. Questão de velhice...
- Com efeito, disse Carlos, pareces-me um pouco murcho... Falta-te o teu ar aureolado.
O poeta encolheu os ombros.
- O Evangelho lá o diz bem claro... Ou é a Bíblia que o diz...? Não; é S. Paulo... S. Paulo ou Santo Agostinho?... Enfim a autoridade não faz ao caso. Num desses santos livros se afirma que este mundo é um vale de lágrimas...
- Em que a gente se ri bastante, disse Carlos alegremente.
O poeta tornou a encolher os ombros. Lágrimas ou risos, que importava?... Tudo era sentir, tudo era viver! Ainda na véspera ele dissera isso mesmo em casa dos Cohens...
E de repente, estacando no meio da rua, tocando no braço de Carlos:
- E agora por falar nos Cohens, diz-me uma coisa com franqueza, meu rapaz. Eu sei que tu és íntimo do Ega, e, que diabo, ninguém lhe admira mais o talento do que eu!... Mas, realmente, tu aprovas que ele, apenas soube da chegada dos Cohens, se viesse meter em Lisboa? Depois do que houve!...
Carlos afiançou ao poeta que o Ega só no dia mesmo da chegada, horas depois, soubera pela Gazeta Ilustrada a vinda dos Cohens...