Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 435 / 630

Não! ele não queria olhar. Temia aquelas lágrimas, o rosto cheio de agonia. Ao calor do seio que arquejava sobre os seus joelhos, já tudo nele começava a oscilar, orgulhos, despeitos, dignidade, ciúme... E então, sem saber, a seu pesar, as suas mãos apertaram as dela. Ela cobriu-lhe logo de beijos os dedos, as mangas, arrebatadamente: e ansiosa implorava do fundo da sua miséria um instante de misericórdia.

- Oh, diz que me perdoas! Tu és tão bom! Uma palavra só... diz só que não me odeias, e depois deixo-te ir... Mas diz primeiro... Olha ao menos para mim como dantes, uma só vez!...

E eram agora os seus lábios que procuravam os dele. Então a fraqueza em que sentia afundar-se todo o seu sêr encheu Carlos de cólera, contra si e contra ela. Sacudiu-a brutalmente, gritou:

- Mas porque não me disseste, porque não me disseste? Eu tinha-te amado do mesmo modo! Para que mentiste, tu?

Largara-a, prostrada no chão. E de pé, deixava cair sobre ela a sua queixa desesperada:

- É a tua mentira que nos separa, a tua horrível mentira, a tua mentira somente!

Ela ergueu-se pouco a pouco, mal se sustendo, e com uma palidez de desmaio.

- Mas eu queria dizer-to, murmurou muito baixo, muito quebrado diante dele, deixando cair os braços. Eu queria dizer-to... Não te lembras, naquele dia em que vieste tarde, quando eu falei da casa de campo, e que tu pela primeira vez declaraste que gostavas de mim? Eu disse-te logo: «há uma coisa que te quero contar...» Tu nem me deixaste acabar. Imaginavas o que era, que eu queria ser só tua, longe de tudo... E disseste então que havíamos de ir, com Rosa, ser felizes para algum canto do mundo... Não te lembras?... Foi então que me veio uma tentação! Era não dizer nada, deixar-me levar, e depois, mais tarde, anos depois, quando te tivesse provado bem que boa mulher eu era, digna da tua estima, confessar-te tudo e dizer-te: «agora, se queres, manda-me embora.» Oh! foi mal feito, bem sei... Mas foi uma tentação, não resisti... Se tu não falasses em fugirmos, tinha-te dito tudo... Mas mal falaste em fugirmos, vi uma outra vida, uma grande esperança, nem sei que! E além disso adiava aquela horrível confissão!





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