Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 448 / 630

Uma noite, um sábado de grande nevoeiro, indo empenhar um chambre de rendas da mamã, perdera-se, errara na vasta Londres numa treva amarelada, a tiritar de frio, quase com fome, perseguida por dois brutos que empestavam a álcool. Para lhes fugir atirou-se para dentro de um cab que a levou a casa. Mas não tinha um peny para pagar ao cocheiro; e a patroa roncava no seu cacifro, bêbeda. O homem resmungou; ela, sucumbida, ali mesmo na porta rompeu a chorar.

Então o cocheiro desceu da almofada, comovido, ofereceu-se para a levar de graça ao prego, onde ajustariam as suas contas. Foi; o pobre homem só aceitou um schiling; até mesmo supondo-a francesa grunhiu blasfémias contra os Prússianos, e teimou em lhe oferecer uma bebida.

Ela no entanto procurava uma ocupação qualquer costura, bordados, traduções, cópias de manuscritos... Não achava nada. Naquele duro inverno o trabalho escasseava em Londres; surgira uma multidão de franceses, pobres como ela, lutando pelo pão... A mamã não cessava de chorar; e havia alguma coisa mais terrível que as suas lágrimas - eram as suas alusões constantes à facilidade de se ter em Londres dinheiro, conforto e luxo, quando se é nova e se é bonita...

- Que te parece esta vida, meu amor? exclamou ela, apertando as mãos amargamente.

Carlos beijou-a em silêncio, com os olhos humedecidos.

- Enfim tudo passou, continuou Maria Eduarda. Fez-se a paz, o cerco acabou. Paris estava de novo aberto... Somente a dificuldade era voltar.

- Como voltaste?

Um dia por acaso, em Regent-Street, encontrara um amigo de Mac-Gren, outro irlandês, que muitas vezes jantara com eles em Fontainebleau. Veio vê-las a Soho; diante daquela miséria, do bule de chá aguado, dos ossos de carneiro requentando sobre três brasas mortas, começou, como bom irlandês, por acusar o governo de Inglaterra e jurar uma desforra de sangue. Depois ofereceu, com os beiços já a tremer, toda a sua dedicação.





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