Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 457 / 630

- E génio! exclamou Carlos. Delicioso, não é verdade? Ora digam-me se tudo o que eu pudesse fazer pela civilização valeria este prato de ananás! É para estas coisas que eu vivo! Eu não nasci para fazer civilização...

- Nasceste, acudiu o Ega, para colher as flores dessa planta da civilização que a multidão rega com o seu suor! No fundo também eu, menino!

Não, não! Maria não queria que falassem assim!

- Esses ditos estragam tudo. E o Sr. Ega, em lugar de corromper Carlos, devia inspirá-lo...

Ega protestou requebrando o olho, já lânguido. Se Carlos necessitava uma musa inspiradora e benéfica não podia ser ele, bicho com barbas e bacharel em leis... A musa estava toute trouvée!

- Ah, com efeito!... Quantas páginas belas, quantas nobres ideias se não podem produzir num paraíso destes!...

E o seu gesto mole e acariciador indicava a Toca, a quietação dos arvoredos, a beleza de Maria. Depois na sala, enquanto Maria tocava um nocturno de Chopin e Carlos e ele acabavam os charutos à porta do jardim vendo nascer a lua - Ega declarou que, desde o começo do jantar, estava com ideias de casar!... Realmente não havia nada como o casamento, o interior, o ninho...

- Quando penso, menino, murmurou ele mordendo sombriamente o charuto, que quase todo um ano da minha vida foi dado àquela israelita devassa que gosta de levar bordoada...

- Que faz ela em Sintra? perguntou Carlos.

- Ensopa-se na crápula. Não há a menor dúvida que dá todo o seu coração ao Dâmaso... Tu sabes o que nestes casos significa o termo coração... Viste já imundice igual? É simplesmente obscena!

- E tu adora-la, disse Carlos.

O outro não respondeu. Depois, dentro, num ódio repentino da boémia e do romantismo, entoou louvores sonoros à família, ao trabalho, aos altos deveres humanos - bebendo copinhos de cognac à meia-noite, ao sair, tropeçou duas vezes na rua de acácias, já vago, citando Proudhon. E quando Carlos o ajudou a subir para a vitória, que ele quis descoberta para ir comunicando com a lua, Ega ainda lhe agarrou o braço para lhe falar da Revista, de um forte vento de espiritualidade e de virtude viril que se devia fazer soprar sobre o país...





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