Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 461 / 630

A mesa resplandecia; e as tapeçarias representando massas d'arvoredos punham em redor como a sombra escura de um retiro silvestre onde por um capricho se tivessem acendido candelabros de prata. Os vinhos saíam da frasqueira preciosa do Ramalhete. De todas as coisas da terra e do céu se grulhava com fantasia - menos de «politica portuguesa», considerada conversa indecorosa entre pessoas de gosto.

Rosa aparecia ao café, exalando do seu sorriso, dos bracinhos nus, dos vestidos brancos tufados sobre as meias de seda preta, um bom aroma de flor. O marquês adorava-a, disputando-a ao Ega, que a pedira a Maria em casamento e lhe andava compondo havia tempo um soneto. Ela preferia o marquês: achava o Ega «muito...» - e completava o seu pensamento com um gestozinho do dedo ondeado no ar, como a exprimir que o Ega «era muito retorcido».

- Aí está! exclamava ele. Porque eu sou mais civilizado que o outro! É a simplicidade não compreendendo o requinte.

- Não, desgraçado! exclamavam do lado. É porque és impresso!... É a natureza repelindo a convenção!...

Bebia-se à saúde de Maria: ela sorria, feliz entre os seus novos amigos, divinamente bela, quase sempre de escuro, com um curto decote onde resplandecia o incomparável esplendor do seu colo.

Depois organizaram-se solenidades. Num domingo, em que os sinos repicavam e a distância foguetes esfuziavam no ar – Ega lamentou que os seus austeros princípios filosóficos o impedissem de festejar também aquele santo de aldeia, que fora decerto em vida um caturra encantador, cheio de ilusões e doçura... Mas de resto, acrescentou, não teria sido num dia assim, fino e seco, sob um grande céu cheio de sol, que se feriu a batalha das Termópilas? Porque não se atiraria uma girandola de foguetes em honra de Leónidas e dos trezentos? E atirou-se a girandola pela eterna glória de Esparta.

Depois celebraram-se outras datas históricas. O aniversário da descoberta da Vénus de Milo foi comemorado com um balão que ardeu. Noutra ocasião o marquês trouxe de Lisboa, apinhados numa tipoia, fadistas famosos, o Pintado, o Vira-vira e o Gago: e depois de jantar, até tarde, com o luar sobre o rio, cinco guitarras choraram os ais mais tristes dos fados de Portugal.





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