- Imagine V. Ex.ª, disse ele a Maria Eduarda, que esse Craft me convida a almoçar. Venho, e o hortelão diz-me que o Sr. Craft, criado e cozinheiro, tudo partira para o Porto; mas que o Sr. Craft deixara um cartaz na sala... Vou à sala, e vejo dependurado ao pescoço de um ídolo japonês uma folha de papel com estas palavras pouco mais ou menos: «O deus Tchi tem a honra de convidar o Sr. marquês, em nome de seu amo ausente, a passar à sala de jantar onde encontrará, num aparador, queijo e vinho, que é o almoço que basta ao homem forte.» E foi com efeito o meu almoço... Para não estar só, partilhei-o com o hortelão.
- Espero que se tivesse vingado! exclamou Maria rindo.
- Pode crer, minha senhora... Convidei-o a jantar, e quando ele apareceu, vindo daqui da Toca, o meu guarda-portão disse-lhe que o Sr. marquês fora para longe, e que não havia nem pão nem queijo... Resultado: o Craft mandou-me uma dúzia de magnificas garrafas de Chambertin. Esse deus Tchi nunca mais o tornei a ver...
O deus Tchi la estava, obeso e medonho. E, muito naturalmente, Carlos convidou o marquês a revisitar nessa noite, à volta da casa do Vargas, o seu velho amigo Tchi.
O marquês veio, às dez horas - e foi um serão encantador. Conseguiu sacudir logo a melancolia do Cruges, arrastando-o com mão de ferro para o piano; Maria cantou; palrou-se com graça; e aquele esconderijo de amor ficou alumiado até tarde, na sua primeira festa de amizade.
Estas reuniões alegres foram ao princípio, como dizia o Ega, dominicais: mas o outono arrefecia, bem depressa se despiriam as árvores da Toca, e Carlos acumulou-as duas vezes por semana, nos velhos dias feriados da Universidade, domingos e quintas. Tinha descoberto uma admirável cozinheira alsaciana, educada nas grandes tradições, que servira o bispo de Estrasburgo, e a quem as extravagâncias de um filho e outras desgraças tinham arrojado a Lisboa. Maria, de resto, punha na composição dos seus jantares uma ciência delicada: o dia de vir à Toca era considerado pelo marquês «dia de civilização».