Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 486 / 630

Calou-se, engasgado. E Ega, estendendo a mão, observou placidamente que se desviavam do ponto vivo da questão. O Dâmaso concebera, rascunhara, pagara o artigo da Corneta. Isso não o negava, nem o podia negar: as provas estavam ali, abertas sobre a mesa: eles tinham além disso a declaração do Palma...

- Esse desavergonhado! gritou o Dâmaso, levado noutra rajada de indignação que o fez redemoinhar, estonteado, tropeçando nos moveis. Esse descarado do Palma! Com esse é que eu me quero ver!... Lá a questão com o Carlos não vale nada, arranja-se, somos todos rapazes finos... Com o Palma é que é! Esse traidor é que eu quero rachar! Um homem a quem eu tenho dado às meias libras, aos sete mil reis! E ceias, e tipoias! Um ladrão que pediu o relógio ao Zeferino para figurar num baptizado, e pô-lo no prego!... E faz-me uma destas!... Mas hei de escavacá-lo! Onde é que você o viu, Ega? Diga lá, homem! Que quero ir procurá-lo, hoje mesmo, corrê-lo a chicotadas... Traições não, não admito a ninguém!

Ega, com a tranquilidade paciente de quem sente a presa certa, lembrou de novo a inutilidade daquelas divagações:

- Assim nunca acabamos, Dâmaso... O nosso ponto é este: o Dâmaso injuriou Carlos da Maia: ou se retracta publicamente dessa injúria, ou dá uma reparação pelas armas...

Mas o Dâmaso, sem escutar, apelava desesperadamente para o Cruges, que se não movera do sofá de veludo, esfregando, um contra o outro, com um ar arrepiado e de dor, os dois sapatos novos de verniz.

- Aquele Carlos! Um homem que se dizia meu amigo íntimo! Um homem que fazia de mim tudo! Até lhe copiava coisas... Você bem viu, Cruges. Diga! Fale, homem! Não sejam vocês todos contra mim!... Até às vezes ia à alfândega despachar-lhe caixotes...

O maestro baixava os olhos, vermelho, num infinito mal-estar. E Ega, por fim, já farto, lançou uma intimação derradeira:

- Em resumo, Dâmaso, desdiz-se ou bate-se?

- Desdizer-me? tartamudeou o outro, empertigando-se, num penoso esforço de dignidade, a tremer todo. E de quê? Ora essa! É boa! Eu sou lá homem que me desdiga!





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