Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 511 / 630

VI

Ao fim do jantar, na rua de S. Francisco, Ega que se demorara no corredor a procurar a charuteira pelos bolsos do paletó, entrou na sala, perguntando a Maria, já sentada ao piano:

- Então, definitivamente, V. Ex.ª não vem ao sarau da Trindade?...

Ela voltou-se para dizer, preguiçosamente, por entre a valsa lenta que lhe cantava entre os dedos:

- Não me interessa, estou muito cansada...

- É uma seca, murmurou Carlos do lado, da vasta poltrona onde se estirara consoladamente, fumando, de olhos cerrados.

Ega protestou. Também era uma maçada subir às Pirâmides no Egipto. E no entanto sofria-se invariavelmente, porque nem todos os dias pode um cristão trepar a um monumento que tem cinco mil anos de existência... Ora a Sr.ª D. Maria, neste sarau, ia ver por dez tostões uma coisa também rara,- a alma sentimental de um povo exibindo-se num palco, ao mesmo tempo nua e de casaca.

- Vá, coragem! um chapéu, um par de luvas, e a caminho!

Ela sorria, queixando-se de fadiga e preguiça.

- Bem, exclamou Ega, eu é que não quero perder o Rufino... Vamos lá, Carlos, mexe-te!

Mas Carlos implorou clemencia:

- Mais um bocadinho, homem! Deixa a Maria tocar umas notas do Hamlet. Temos tempo... Esse Rufino, e o Alencar, e os bons, só gorjeiam mais tarde...

Então Ega, cedendo também a todo aquele conchego tépido e amável, enterrou-se no sofá com o charuto, para escutar a canção de Ofélia, de que Maria já murmurava baixo as palavras cismadoras e tristes:

Pâle et blonde,

Dort sous l'eau profonde...

Ega adorava esta velha balada escandinava. Mais porém o encantava Maria que nunca lhe parecera tão bela: o vestido claro que tinha nessa noite modelava-a com a perfeição de um mármore: e entre as velas do piano, que lhe punham um traço de luz no perfil puro e tons de ouro esfiado no cabelo - o incomparável ebúrneo da sua pele ganhava em esplendor e mimo...





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