- Quem é por fim esse Rufino? perguntou Carlos, alongando mais os pés pelo tapete, quando Maria findou a canção de Ofélia.
Ega não sabia. Ouvira que era um deputado, um bacharel, um inspirado...
Maria, que procurava os nocturnos de Chopin, voltou-se:
- É esse grande orador de que falavam na Toca?
Não, não! Esse era outro, a sério, um amigo de Coimbra, o José Clemente, homem de eloquência e de pensamento... Este Rufino era um ratão de pêra grande, deputado por Monção, e sublime nessa arte, antigamente nacional e hoje mais particularmente provinciana, de arranjar, num voz de teatro e de papo, combinações sonoras de palavras...
- Detesto isso! rosnou Carlos.
Maria também achava intolerável um sujeito a chilrear, sem ideias, como um pássaro num galho de árvore...
- É conforme a ocasião, observou Ega, olhando o relógio. Uma valsa de Strauss também não tem ideias, e à noite, com mulheres numa sala, é deliciosa...
Não, não! Maria entendia que essa retórica amesquinhava sempre a palavra humana, que, pela sua natureza mesma, só pode servir para dar forma, às ideias. A música, essa, fala aos nervos. Se se cantar uma marcha a uma criança, ela ri-se e salta no colo...
- E se lhe leres uma página de Michelet, concluiu Carlos, o anjinho seca-se e berra!
- Sim, talvez, considerou o Ega. Tudo isso depende da latitude e dos costumes que ela cria. Não há inglês, por mais culto e espiritualista, que não tenha um fraco pela força, pelos atletas, pelo sport, pelos músculos de ferro.