E nós, os meridionais, por mais críticos, gostamos do palavreadinho mavioso. Eu cá pelo menos, à noite, com mulheres, luzes, um piano e gente de casaca, pelo-me por um bocado de retórica.
E, com o apetite assim desperto, ergueu-se logo para enfiar o paletó, voar à Trindade, num receio de perder o Rufino.
Carlos deteve-o ainda, com uma grande ideia:
- Espera. Descobri melhor, fazemos o sarau aqui! Maria toca Beethoven; nós declamamos Mussuet, Hugo, os parnasianos; temos padre Lacordaire se te apetece a eloquência; e passa-se a noite numa medonha orgia de ideal!...
- E há melhores cadeiras, acudiu Maria.
- Melhores poetas, afirmou Carlos.
- Bons charutos!
- Bom cognac!
Ega alçou os braços ao ar, desolado. Aí está como se pervertia um cidadão, impedindo-o de proteger as letras pátrias – com promessas pérfidas de tabaco e de bebidas!... Mas de resto ele não tinha só uma razão literária para ir ao sarau. O Cruges tocava uma das suas Meditações de Outono, e era necessário dar palmas ao Cruges.
- Não digas mais! gritou Carlos, dando um pulo da poltrona. Esquecia-me o Cruges!... É um dever de honra! Abalemos.
E daí a pouco, tendo beijado a mão de Maria que ficava ao piano, os dois, surpreendidos com a beleza dessa noite de inverno, tão clara e doce, seguiam devagar pela rua - onde Carlos ainda duas vezes se voltou para olhar as janelas alumiadas.
- Estou bem contente, exclamou ele travando do braço do Ega, em ter deixado os Olivais!... Aqui ao menos podemos reunir-nos para um bocado de cavaco e de literatura...
Tencionava arranjar a sala com mais gosto e conforto, converter o quarto ao lado num fumoir forrado com as suas colchas da Índia, depois ter um dia certo em que viessem os amigos cear... Assim se realizava o velho sonho, o cenáculo de diletantismo e de arte...
Além disso havia a lançar a Revista, que era a suprema pandega intelectual. Tudo isto anunciava um inverno chic a valer, como dizia o defunto Dâmaso.
- E tudo isto, resumiu o Ega, é dar civilização ao país.