Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 531 / 630

Era um maganão gordo, de barba em bico e camélia na casaca, que, de mão fechada no ar como se agitasse o pendão das Quinas, lamentava aos berros que nós portugueses, possuindo este nobre estuário do Tejo e tão formosas tradições de glória, deixássemos esbanjar, ao vento do indiferentismo, a sublime herança dos avós!...

- É patriotismo, disse o Ega. Fujamos!

Mas o marquês reteve-os, gostando também de um bocado de Quinas. E foi o pobre marquês que o patriota pareceu interpelar, alçando na ponta dos botins o corpanzil rotundo, aos urros. Quem havia agora aí, que, agarrando numa das mãos a espada e na outra a cruz, saltasse para o convés de uma caravela a ir levar o nome português através dos mares desconhecidos? Quem havia aí, heróico bastante, para imitar o grande João de Castro, que na sua quinta de Sintra arrancara todas as árvores de fruto, tal a era a isenção da sua alma de poeta?...

- Aquele miserável quer-nos privar da sobremesa! exclamou Ega.

Em torno correram risos alegres. O marquês virou costas, enojado com aquela patriotice reles. Outros bocejavam por traz da mão, num tédio completo de «todas as nossas glórias». E Carlos, enervado, preso ali pelo dever de aplaudir o Alencar, chamava o Ega para irem abaixo ao botequim espairecer a impaciência - quando viu o Eusebiozinho que descia a escada, enfiando à pressa um paletó alvadio. Não o encontrara mais desde a infâmia da Corneta, em que ele fora «embaixador». E a cólera que tivera contra ele nesse dia reviveu logo num desejo irresistível de o espancar. Disse ao Ega:

- Vou aproveitar o tempo, enquanto esperamos pelo Alencar, a arrancar as orelhas àquele maroto!

- Deixa lá, acudiu Ega, é um irresponsável!

Mas já Carlos corria pelas escadas: Ega seguiu atrás, inquieto, temendo uma violência. Quando chegaram à porta, Eusébio metera para os lados do Carmo. E alcançaram-no no largo da Abegoaria, àquela hora deserto, mudo, com dois bicos de gás mortiços. Ao ver Carlos fender assim sobre ele, sem paletó, de peitilho claro na noite escura, o Eusébio, encolhido, balbuciou atarantadamente: «Olá, por aqui...»





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