Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 536 / 630

Uma rajada farta e franca de bravos fez oscilar as chamas do gás! Era a paixão meridional do verso, da sonoridade, do Liberalismo romântico, da imagem que esfuzia no ar com um brilho crepitante de foguete, conquistando enfim tudo, pondo uma palpitação em cada peito, levando chefes de repartição a berrarem, estirados por cima das damas, no entusiasmo daquela republica onde havia rouxinóis! E quando Alencar, alçando os braços ao tecto, com modulações de pregoeira na voz roufenha, chamou para a terra essa pomba da Democracia, que erguera o voo do Calvário, e vinha com largos sulcos de luz - foi um enternecimento banhando as almas, um fundo arrepio de êxtase. As senhoras amoleciam nas cadeiras, com a face meia voltada ao céu. No salão abrasado perpassavam frescuras de capela. As rimas fundiam-se num murmúrio de ladainha, como evoladas para uma Imagem que pregas de cetim cobrissem, estrelas de ouro coroassem. E mal se sabia já se Essa, que se invocava e se esperava, era a deusa da Liberdade – ou Nossa Senhora das dores.

Alencar no entanto via-a descer, espalhando um perfume. Já Ela tocava com os seus pés divinos os vales humanos. Já do seu seio fecundo trasbordava a universal abundância. Tudo reflorescia, tudo rejuvenescia:

As rosas têm mais aroma!

Os frutos têm mais doçura!

Brilha a alma clara e pura,

Solta de sombras e véus...

Foge a dor espavorida,

Foi-se a fome, foi-se a guerra,

O homem canta na terra,

E Cristo sorri nos céos!...

Uma aclamação rompeu, imensa e rouca, abalando os muros cor de canário. Moços exaltados treparam às cadeiras, dois lenços brancos flutuavam. E o poeta, trémulo, exausto, rolou pela escada até aos braços que se lhe estendiam frementes. Ele sufocava, murmurava: «filhos! rapazes!...» Quando Ega correu do fundo, com Carlos, gritando - «Foste extraordinário, Thomaz!»... - as lágrimas saltaram dos olhos do Alencar, quebrado todo de emoção.





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