Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 537 / 630

E ao longo da coxia a ovação continuou, feita de palmadinhas pelo ombro, de shake-hands da gente séria, de «muitos parabéns a V. Ex.ª!» Pouco a pouco ele erguia a cabeça, num altivo sorriso que lhe mostrava os dentes maus, sentindo-se o poeta da Democracia, consagrado, ungido pelo triunfo, com a inesperada missão de libertar almas! D. Maria da Cunha puxou-lhe pela manga quando ele passou, para murmurar, encantada, que achara - «lindíssimo, lindíssimo». E o poeta, estonteado, exclamou: «Maria, é necessário luz!» Teles da Gama veio bater-lhe nas costas afirmando-lhe que «piara esplendidamente». E Alencar, inteiramente perdido, balbuciou: «Sursum corda, meu Teles, sursum corda!»

Ega no entanto, através do tumulto, farejava buscando Carlos que desaparecera depois dos abraços ao Alencar. Taveira assegurou-lhe que Carlos passara para o botequim. Depois em baixo um garoto jurou que o Sr. D. Carlos tomará uma tipoia e ia já, virando o Chiado...

Ega ficou à porta hesitando se aturaria o resto do sarau. Nesse momento o Gouvarinho, trazendo a condessa pelo braço, deseja rapidamente, com a face toda contrariada e sombria. O trintenário de ss. Exc.as correu a chamar o coupé. E quando o Ega se acercou, sorrindo, para saber que impressão lhes deixara o grande triunfo democrático do Alencar - a profunda cólera do Gouvarinho escapou-se-lhe, mal contida, por entre os dentes cerrados:

- Versos admiráveis, mas indecentes!

O coupé avançou. Ele teve apenas tempo de rosnar ainda, surdamente, apertando a mão ao Ega:

- Numa festa de sociedade, sob a protecção da rainha, diante de um ministro da coroa, falar de barricadas, prometer mundos e fundos às classes proletárias... É perfeitamente indecente!

Já a condessa enfiara a portinhola, apanhando a larga cauda de seda. O ministro mergulhou também furiosamente na sombra do coupé. Junto às rodas passou choutando, numa pileca branca, o correio agaloado.





Os capítulos deste livro