Ora hoje justamente, ali no teatro, comecei a reflectir que o melhor era entregá-lo à família...
O Cruges mexeu-se impaciente:
- Ainda te demoras?
- Um instante! gritou Ega, já interessado por aqueles papeis e pelo cofre. Vai andando.
Então o Sr. Guimarães, à pressa, resumiu o pedido. Como sabia a intimidade do Sr. João da Ega e de Carlos da Maia, lembrara-se de lhe entregar o cofrezinho para que ele o restituísse à família...
- Perfeitamente! acudiu Ega. Eu estou mesmo em casa dos Maias, no Ramalhete.
- Ah, muito bem! Então V. Ex.ª manda um criado de confiança amanhã buscá-lo... Eu estou no Hotel de Paris, no Pelourinho. Ou melhor ainda: levo-lho eu, não me dá incomodo nenhum, apesar de ser dia de partida...
- Não, não, eu mando um criado! insistiu o Ega estendendo a mão ao democrata.
Ele estreitou-lha com calor.
- Muito agradecido a V. Ex.ª! Eu junto-lhe então um bilhete e V. Ex.ª entrega-o da minha parte ao Carlos da Maia, ou à irmã.
Ega teve um movimento de espanto:
- À irmã!... A que irmã?
O Sr. Guimarães considerou Ega também com assombro. E abandonando-lhe lentamente a mão:
- A que irmã!? A irmã dele, à única que tem, à Maria!
Cruges, que batia as solas no lajedo, enfastiado gritou da esquina:
- Bem, eu vou andando para o Grémio.
- Até logo!
O Sr. Guimarães, no entanto, passava os dedos calçados de pelica preta pelos longos fios da barba, fitando o Ega, num esforço de penetração. E quando Ega lhe travou do braço, pedindo-lhe para conversarem um pouco até ao Loreto, o democrata deu os primeiros passos com uma lentidão desconfiada.
- Eu parece-me, dizia o Ega sorrindo, mas nervoso, que nós estamos aqui a enrodilhar-nos num equivoco... Eu conheço o Maia desde pequeno, vivo até agora em casa dele, posso afiançar-lhe que não tem irmã nenhuma...
Então o Sr. Guimarães começou a rosnar umas desculpas embrulhadas que mais enervavam, torturavam o Ega. O Sr. Guimarães imaginava que não era segredo, que todas essas coisas da irmã estavam esquecidas, desde que houvera reconciliação...