Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 538 / 630

Ega ia subir. Mas o marquês apareceu, abafado num gabão de Aveiro, fugindo a um poeta de grandes bigodes que ficara em cima a recitar quadrinhas miudinhas a uns olhinhos galantinhos: e o marquês detestava versos feitos a partes do corpo humano. Depois foi o Cruges que surgiu do botequim, abotoando o paletó. Então, perante essa debandada de todos os amigos, Ega decidiu abalar também, ir tomar o seu grog ao Grémio com o maestro.

Meteram o marquês numa tipoia - e ele e Cruges desceram a rua Nova da Trindade, devagar, no encanto estranho daquela noite de inverno, sem estrelas, mas tão macia que nela parecia andar perdido um bafo de maio.

Passavam à porta do Hotel Aliança quando Ega sentiu alguém, que se apressava, chamar atrás: - «Ó Sr. Ega! V. Ex.ª faz favor, Sr. Ega?...»

- Parou, reconheceu o chapéu recurvo, as barbas brancas do Sr. Guimarães.

- V. Ex.ª desculpe! exclamou o demagogo esbaforido. Mas vi-o descer, queria dar-lhe duas palavras, e como me vou embora amanhã...

- Perfeitamente... Ó Cruges, vai andando, já te apanho!

O maestro estacionou à esquina do Chiado. O Sr. Guimarães pedia de novo desculpa. De resto eram duas curtas palavras...

- V. Ex.ª, segundo me disseram, é o grande amigo do Sr. Carlos da Maia... São como irmãos...

- Sim, muito amigos...

A rua estava deserta, com alguns garotos apenas à porta alumiada da Trindade. Na noite escura a alta fachada do Aliança lançava sobre eles uma sombra maior. Todavia o Sr. Guimarães baixou a voz cautelosa:

- Aqui está o que é... V. Ex.ª sabe, ou talvez não saiba, que eu fui em Paris íntimo da mãe do Sr. Carlos da Maia... V. Ex.ª tem pressa, e não vem agora a propósito essa história. Basta dizer que aqui há anos ela entregou-me, para eu guardar, um cofre que, segundo dizia continha papeis importantes... Depois naturalmente, ambos tivemos muitas outras coisas em que pensar, os anos correram, ela morreu. Numa palavra, porque V. Ex.ª está com pressa: eu conservo ainda em meu poder esse deposito, e trouxe-o por acaso quando vim agora a Portugal por negócios da herança de meu irmão...





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