Carlos entrou no quarto às escuras, tropeçou num sofá e ali se deixou cair, com a cabeça enterrada nos braços, sem pensar, sem sentir, vendo o velho lívido passar, repassar diante dele como um longo fantasma, com a luz avermelhada na mão. Pouco a pouco foi-o tomando um cansaço, uma inercia, uma infinita lassidão da vontade, onde um desejo apenas transparecia, se alongava - o desejo de interminavelmente repousar algures numa grande mudez e numa grande treva... Assim escorregou ao pensamento da morte. Ela seria a perfeita cura, o asilo seguro. Porque não iria ao seu encontro? Alguns grãos de láudano nessa noite e penetrava na absoluta paz...
Ficou muito tempo, embebendo-se nesta ideia que lhe dava alivio e consolo, como se, escorraçado por uma tormenta ruidosa, visse diante dos seus passos abrir-se uma porta de onde saísse calor e silêncio. Um rumor, o chilrear de um pássaro na janela, fez-lhe sentir o sol e o dia. Ergueu-se, despiu-se muito devagar, numa imensa moleza. E mergulhou na cama, enterrou a cabeça no travesseiro para recair na doçura daquela inercia, que era um antegosto da morte, e não sentir mais nas horas que lhe restavam nenhuma luz, nenhuma coisa da terra.
O sol ia alto, um barulho passou, o Baptista rompeu pelo quarto:
- Ó Sr. D. Carlos, ó meu menino! O avô achou-se mal no jardim, não dá acordo!...
Carlos pulou do leito, enfiando um paletó que agarrara.