Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 601 / 630

E de novo emudeceu, assombrada, devorando os movimentos do Ega que, debruçado sobre o sofá, desembrulhava a tremer a caixa de charutos da Monforte. Por fim voltou para ela com um papel na mão, atropelando as palavras numa debandada:

- A mãe de V. Ex.ª nunca lho disse... Havia um motivo muito grave... Ela tinha fugido de Lisboa, fugido ao marido... Digo isto assim brutalmente, perdoe-me V. Ex.ª mas não é o momento de atenuar as coisas... Aqui está! V. Ex.ª conhece a letra de sua mãe. É dela esta letra, não é verdade?

- É! exclamou Maria, indo arrebatar o papel.

- Perdão! gritou Ega, retirando-lho violentamente. Eu sou um estranho! E V. Ex.ª não se pode inteirar de tudo isto enquanto eu não sair daqui.

Fora uma inspiração providencial, que o salvava de testemunhar o choque terrível, o horror das coisas que ela ia saber. E insistiu. Deixava-lhe ali todos os papeis que eram de sua mãe. Ela leria, quando ele saísse, compreenderia a realidade atroz... Depois, tirando do bolso os dois pesados rolos de libras, o sobrescrito que continha a letra sobre Paris, pôs tudo em cima da mesa, com a declaração da Monforte.

- Agora só mais duas palavras. Carlos pensa que o que V. Ex.ª deve fazer já é partir para Paris. V. Ex.ª tem direito, como sua filha há de ter, a uma parte da fortuna desta família dos Maias, que agora é a sua... Neste maço que lhe deixo está uma letra sobre Paris para as despesas imediatas... O procurador de Carlos tomou já um wagon-salão. Quando V. Ex.ª decidir partir, peço-lhe que mande um recado ao Ramalhete para eu estar na gare... Creio que é tudo. E agora devo deixá-la...

Agarrara rapidamente o chapéu, veio tomar-lhe a mão inerte e fria:

- Tudo é uma fatalidade! V. Ex.ª é nova, ainda lhe resta muita coisa na vida, tem a sua filha a consolá-la de tudo... Nem lhe sei dizer mais nada!

Sufocado, beijou-lhe a mão que ela lhe abandonou, sem consciência e sem voz, de pé, direita no seu negro luto, com a lividez parada de um mármore. E fugiu.

- Ao telegrafo! gritou em baixo ao cocheiro.

Foi só na rua do Ouro que começou a serenar, tirando o chapéu, respirando largamente.





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