Carlos mobilou-o com luxo. Numa antecâmara, guarnecida de banquetas de marroquim, devia estacionar, à francesa, um criado de libré. A sala de espera dos doentes alegrava com o seu papel verde de ramagens prateadas, as plantas em vasos de Rouen, quadros de muita cor, e ricas poltronas cercando a jardineira coberta de colecções do Charivari, de vistas estereoscópicas, de álbuns de actrizes seminuas; para tirar inteiramente o ar triste de consultório até um piano mostrava o seu teclado branco.
O gabinete de Carlos ao lado era mais simples, quase austero, todo em veludo verde-negro, com estantes de pau preto. Alguns amigos que começavam a cercar Carlos, Taveira, seu contemporâneo e agora vizinho do Ramalhete, o Cruges, o marquês de Souselas, com quem percorrera a Itália - vieram ver estas maravilhas. O Cruges correu uma escala no piano e achou-o abominável; Taveira absorveu-se nas fotografias de actrizes; e a única aprovação franca veio do marquês, que depois de contemplar o divã do gabinete, verdadeiro móvel de serralho, vasto, voluptuoso, fofo, experimentou-lhe a doçura das molas e disse, piscando o olho a Carlos:
- A calhar.
Não pareciam acreditar nestes preparativos. E todavia eram sinceros. Carlos até fizera anunciar o consultório nos jornais; quando viu porem o seu nome em letras grossas, entre o de uma engomadeira à Boa Hora e um reclamo de casa de hóspedes, - encarregou Vilaça de retirar o anúncio.
Ocupava-se então mais do laboratório, que decidira instalar no armazém, às Necessidades. Todas as manhãs, antes de almoço, ia visitar as obras. Entrava-se por um grande pátio, onde uma bela sombra cobria um poço, e uma trepadeira se mirrava nos ganchos de ferro que a prendiam ao muro. Carlos já decidira transformar aquele espaço em fresco jardinete inglês; e a porta do casarão encantava-o, ogival e nobre, resto de fachada de ermida, fazendo um acesso venerável para o seu santuário de ciência.