Os Maias - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 90 / 630

Com a cabeça na almofada, fumando, ali ficava, nessa quietação de sesta, num cismar que se ia desprendendo, vago e ténue, como o ténue e leve fumo que se eleva de uma braseira meia apagada; até que com um esforço sacudia este torpor, passeava na sala, abria aqui e além pelas estantes um livro, tocava no piano dois compassos de valsa, espreguiçava-se - e, com os olhos nas flores do tapete, terminava por decidir que aquelas duas horas de consultório eram estúpidas!

- Está aí o carro? ia perguntar ao criado.

Acendia bem depressa outro charuto, calçava as luvas, descia, bebia um largo sorvo de luz e ar, tomava as guias e largava, murmurando consigo:

- Dia perdido!

Foi uma dessas manhãs que preguiçando assim no sofá com a Revista dos Dois Mundos na mão, ele ouviu um rumor na antecâmara, e logo uma voz bem conhecida, bem querida, que dizia por trás do reposteiro:

- Sua Alteza Real está visível?

- Oh Ega! gritou Carlos, dando um salto do sofá.

E caíram nos braços um do outro, beijando-se na face, enternecidos.

- Quando chegaste tu?

- Esta manhã. Caramba! exclamava Ega, procurando pelo peito, pelos ombros, o seu quadrado de vidro, e entalando-o enfim no olho. Caramba! Tu vens esplêndido desses Londres, dessas civilizações superiores. Estás com um ar Renascença, um ar Valois... Não há nada como a barba toda!

Carlos ria, abraçando-o outra vez.

- E de onde vens tu, de Celorico?

- Qual Celorico! Da Foz. Mas doente, menino, doente... O fígado, o baço, uma infinidade de vísceras comprometidas. Enfim, doze anos de vinhos e águas ardentes...

Depois falaram das viagens de Carlos, do Ramalhete, da demora do Ega em Lisboa... Ega vinha para sempre. Tinha dito do alto da diligência, às várzeas de Celorico, o adeus de eternidade.

- Imagina tu, Carlos, amigo, a história deliciosa que me sucede com minha mãe... Depois de Coimbra, naturalmente, sondei-a a respeito de vir viver para Lisboa, confortavelmente, com uns dinheiros largos. Qual, não caiu! Fiquei na quinta, fazendo epigramas ao padre Serafim e a toda a corte do céu.





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