O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 23 / 183

Ela deixou-se levar para lá. «Esquece-se», continuou ele, «de que, embora isto seja desagradável para si, o facto não rum nada de grave. Sabe como Frau Grubach, que tem a última palavra neste assunto, especialmente porque o capitão é seu sobrinho, quase me venera e acredita absolutamente em tudo o que digo. Além disso, ela está também dependente de mim, posso dizê-lo, uma vez que me pediu emprestada uma quantia considerável. Confirmarei qualquer explicação que lhe queira dar pelo facto de estarmos aqui juntos, se ela for razoável, e emprnhar-me-ei em fazer com que Frau Grubach não só a aceite publicamente, como também efectiva e honestamente acredite nela. Não terá de se preocupar comigo. Se quiser espalhar que a assaltei, Frau Grubach será informada disso e acreditará nessa versão sem perder a confiança que deposita em mim, visto ser-me tão dedicada.» Fràulein Bürstner, silenciosa e um tanto amolecida de cansaço, fitou o chão. «Por que é que Frau Grubach não havia de acreditar que a assaltei?», acrescentou K., contemplando o cabelo dela, de tom avermelhado, risca ao meio, preso atrás e muito bem penteado. K. esperava que ela olhasse para ele, mas ela, sem mudar de posição, disse: «Desculpe-me, mas fiquei mais aterrorizada com as repentinas pancadas na porta do que com qualquer consequência originada pela presença do capitão. É que tudo ficou silencioso depois de o senhor ter gritado e foi então que se ouviram aquelas pancadas. Eu estava sentada muito perto da porta e as pancadas ressoaram tão perto de mim que fiquei aterrorizada. Agradeço imenso o seu oferecimento, mas não quero aceitá-lo. Assumo a responsabilidade por tudo quanto aconteça no meu quarto, perante quem quer que seja. Surpreende-me que o senhor não veja o insulto que está implícito na sua sugestão, se bem que ela se revista de boas intenções, o que, sem dúvida, tomo em consideração. Mas agora vá-se embora, deixe-me sozinha; agora, mais do que nunca, preciso que me deixe em paz. Os poucos minutos que me pediu já esticaram até meia hora ou mais.» K. apertou-lhe a mão e depois o pulso, perguntando: «Não está zangada comigo?» Ela retirou a mão dele e respondeu: «Não, não, nunca me zango com ninguém.» Ele agarrou-lhe novamente no pulso, o que ela desta vez consentiu, e conduziu-a até à porta. Estava firmemente decidido a deixá-la. Contudo, à porta, parou como se não esperasse encontrar ali uma porta; Fraulein Burstner aproveitou este momento para se libertar e, abrindo a porta, deslizou até ao vestíbulo de entrada, donde lhe segredou: «Ande, venha agora, por favor! Olhe», apontou para a porta do quarto do capitão, por debaixo da qual passava uma réstia de luz, «tem a luz acesa e está a divertir-se à nossa custa.»





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