O Processo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 41 / 183

No entanto, como suponho que estou preso, sinto-me obrigado a intervir... é que estou preso, sabe... para defender os meus próprios interesses. De qualquer modo, se ao mesmo tempo lhe puder ser útil, terei, evidentemente, muito prazer. Fá-lo-ei não por puro altruísmo, mas porque espero que a senhora possa também ajudar-me.» «Mas como poderei eu ajudá-lo?», perguntou a mulher. «Permitindo, por exemplo, que eu dê uma vista de olhos pelos livros que estão ali sobre a mesa.» «Mas com certeza!», exclamou ela, conduzindo-o apressadamente atrás dela. Eram todos livros velhos, de folhas amarelecidas e cantos dobrados, a capa de um deles estava completamente rasgada no meio, com as duas metades presas por simples fios. «Que sujo está tudo isto!», comentou K., abanando a cabeça enquanto a mulher, com o avental, limpava o pó antes de K. pegar nos livros. K. abriu o primeiro e descobriu logo uma indecorosa imagem. Um homem e uma mulher, completamente nus, estavam sentados num sofá, tendo o artista uma intenção tão claramente obscena e uma habilidade tão reduzida que a imagem nada mais conseguia representar senão as duas rígidas figuras de um homem e uma mulher sentados muito direitos e que, devido à má perspectiva, tinham aparentemente imensa dificuldade em se voltar um para o outro. K. não voltou mais nenhuma folha, tendo apenas passado os olhos pelo titulo do segundo livro, que era uma novela intitulada: Gomo Grete Foi Atormentada por Seu Marido Hans. «São estes os livros de Direito que se estudam aqui», disse K «São estes os homens por quem serei julgado.» «Dou-lhe uma ajuda, quer?», perguntou a mulher. Racha que poderá ajudar-me sem se meter em trabalhos? A senhora disse-me há bocado que o seu marido está à mercê dos superiores.» «Seja como for, quero ajudá-lo», respondeu a mulher. «Venha, vamos discutir este assunto. Não se incomode com o que me pode acontecer. Só temo o perigo quando quero temê-lo. Venha.» Acomodou-se na borda do estrado e arranjou lugar para ele ao lado dela. «O senhor tem uns lindos olhos negros», disse ela, olhando para o rosto de K., depois de ambos se terem sentado. «Têm-me dito que os meus olhos também são bonitos, mas os seus são muito mais belos. Atraíram-me logo que o vi na primeira vez que aqui veio. E foi por sua causa que entrei mais tarde na sala de audiências, uma coisa que nunca faço e que até cerro ponto me não é permitida.» É então isso o que realmente lhe interessa, pensou K., oferecer-se-me; é tão corrupto como todos os outros e já está cansada dos funcionários daqui o que é bastante compreensível, de modo que se aproxima de qualquer estranho que simpatize com ela, tecendo elogios aos olhos dele.





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