O Processo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 42 / 183

K. levantou-se como se tivesse exteriorizado os seus pensamentos em voz alta e a sua atitude estivesse suficientemente esclarecida. «Não me parece que me possa ajudar», disse ele; «para me ajudar, teria de possuir ligações com funcionários de destaque. Estou, porém, certo de que a senhora só conhece os insignificantes funcionários subalternos que pululam por aqui. A senhora deve conhecê-los muito bem e poderia conseguir que eles colaborassem bastante, não tenho dúvidas, mas tudo o que pudessem fazer seria inútil para o resultado final do processo. Não quero de maneira nenhuma que a senhora perca alguns dos seus amigos. Conserve a amizade dessa gente, pois parece-me que a senhora precisa dela. Digo isto com pesar, pois, para retribuir o seu elogio, devo confessar-lhe que também gosto de si, muito especialmente quando levanta para mim os olhos tristes, como agora, embora lhe assegure que não há qualquer razão para tal. O seu lugar é entre esta gente contra a qual luto, mas a senhora sente-se à vontade com ela e não há dúvida de que ama esse estudante ou, se não o ama, pelo menos prefere-o ao seu marido. E fácil de concluir pelo que a senhora diz.» «Não», exclamou ela, sem se levantar, mas agarrando a mão de K., que não a retirou a tempo. «O senhor não se pode ir embora, não o deixarei partir ainda, com um conceito tão errado a meu respeito. Consegue ir-se assim embora? Sou assim, a seus olhos, uma pessoa tão insignificante que não mereça a gentileza de aqui ficar por mais uns instantes?» «Não me estou a fazer entender», respondeu K., sentando-se. «Se realmente quer que eu fique, ficarei com gosto, pois tenho bastante tempo, já que aqui vim pensando encontrar o tribunal em audiência. Tudo o que queria era pedir-lhe que nada fizesse por mim no que respeita ao meu processo. Mas não se sinta ofendida com isso, pois pode crer que o desfecho do processo em nada me interessa e que até me rirei se acaso for condenado. Baseio-me, é claro, no facto de o processo chegar alguma vez ao fim, do que sinceramente duvido. Na realidade, suponho que já foi provavelmente retirado ou que o será em breve, devido à preguiça ou ao esquecimento, ou talvez mesmo ao medo que sintam os responsáveis por ele. Com certeza que eles farão de conta que ainda estão a conduzir o processo, na esperança de me apanharem algum dinheiro, mas escusam de se preocupar, posso assegurar-lhe, visto que não subornarei ninguém. Aqui está, no entanto, uma coisa que a senhora pode fazer por mim: pedir ao Juiz de Instrução, ou a alguém abaixo dele, que espalhe a notícia de que nada me levará a subornar estes funcionários, nem mesmo qualquer dos artifícios em que eles são, sem dúvida, são engenhosos.





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