A Confissão de Lúcio - Cap. 4: CAPÍTULO 2 Pág. 26 / 93

Quando muito, sentido já como literatura. Efetivamente o poeta explicara-me, Uma noite:

- Garanto-lhe, meu amigo, todas as ideias que lhe surjam nas minhas obras, por mais bizarras, mais impossíveis - são, pelo menos em parte, sinceras. Isto é: traduzem emoções que na realidade senti; pensamentos que na realidade me ocorreram sobre quaisquer detalhes da minha psicologia. Apenas o que pode suceder é que, quando elas nascem, já venham literalizadas…

Mas voltando às suas revelações estrambóticas:

Como gostássemos, em muitas horas, de nos embrenhar pela vida normal e nos esquecer a nós próprios - frequentávamos bastante os teatros e os music-halls, numa ânsia também de sermos agitados por esses meios intensamente contemporâneos, europeus e luxuosos.

Assim uma vez, no Olímpia, assistíamos a umas danças de girls inglesas misturadas numa revista, quando Ricardo me perguntou:

- Diga-me, Lúcio, você não é sujeito a certos medos inexplicáveis, destrambelhados?

Que não, só se muito vagamente - volvi.

- Pois comigo - tornou o artista - não acontece o mesmo. Enfim, quer saber? Tenho medo destas dançarinas.

Soltei uma gargalhada.

Ricardo prosseguiu:

- É que, não sei se reparou, em todos os music-halls tornaram-se agora moda estes bailados por ranchos de raparigas inglesas. Ora essas criaturinhas são todas iguais, sempre - vestidas dos mesmos fatos, com as mesmas pernas nuas, as mesmas feições ténues, o mesmo ar gentil. De maneira que eu em vão me esforço por considerar cada uma delas como uma individualidade. Não lhes sei atribuir uma vida - um amante, um passado; certos hábitos, certas maneiras de ser. Não as posso destrinçar do seu conjunto daí, o meu pavor. Não estou pousando, meu amigo, asseguro-lhe.

"Mas não são estes só os meus medos Tenho muitos outros.





Os capítulos deste livro