Entretanto, o que mais o prejudicava era sem dúvida o seu corpo que ele desprezava, deixando-o "cair de si", segundo a frase extravagante, mas muito própria, de Gervásio Vila-Nova.
Os retratos que existem hoje do poeta, mostram-no belíssimo, numa auréola de génio. Simplesmente, não era essa a expressão do seu rosto. Sabendo tratar-se de um grande artista, os fotógrafos e os pintores ungiram-lhe a fronte de uma expressão nimbada que lhe não pertencia. Convém desconfiar sempre dos retratos dos grandes homens…
- Ah! meu querido Lúcio - tornou ainda o poeta -, como eu sinto a vitória de uma mulher admirável, estiraçada sobre um leito de rendas, olhando a sua carne toda nua… esplêndida… loura de álcool! A carne feminina - que apoteose! Se eu fosse mulher, nunca me deixaria possuir pela carne dos homens - tristonha, seca, amarela: sem brilho e sem luz… Sim! num entusiasmo espasmódico, sou todo admiração, todo ternura, pelas grandes debochadas que só emaranham os corpos de mármore com outros iguais aos seus - femininos também; arruivados, sumptuosos… E lembra-me então um desejo perdido de ser mulher - ao menos, para isto: para que, num encantamento, pudesse olhar as minhas pernas nuas, muito brancas, a escoarem-se, frias, sob um lençol de linho…
Entanto, eu admirava-me do rumo que a conversa tomara. Com efeito, se a obra de Ricardo de Loureiro era cheia de sensualismo, de loucas perversidades - nas suas conversas nada disso surgia. Pelo contrário. Às suas palavras nunca se misturava uma nota sensual - ou simplesmente amorosa - e detinham-no logo súbitos pudores se, por acaso, de longe se referia a qualquer detalhe dessa natureza.
Quanto à vida sexual do meu amigo, ignorava-a por completo. Sob esse ponto de vista, Ricardo afigurava-se-me, porém, uma criatura tranquila.