Exprimira o estulto desejo de que o retrato envelhecesse, ficando ele sempre jovem; de que a sua beleza permanecesse imaculada e de que o rosto pintado na tela suportasse o peso das suas paixões e dos seus pecados; de que a imagem pintada fosse vincada pelas linhas do sofrimento, conservando ele todo o esplendor delicado, todo o adorável encanto da mocidade, de que só então tivera consciência. Não, era impossível! Parecia monstruoso pensar sequer nisso. E, contudo, ali estava o retrato na sua frente, com um laivo de crueldade na boca...
Crueldade! Tinha, porventura, sido cruel? A culpa fora da rapariga, não fora sua. Idealizara-a como uma grande artista, dera-lhe o seu amor, porque a julgara grande. Depois ela causara-lhe uma tremenda desilusão. Fora rasteira e indigna. E, todavia, oprimia-o um sentimento de infinito pesar, ao recordá-la prostrada a seus pés, soluçando como uma criança. Lembrava-se da frieza com que a contemplara. Porque fora assim feito? Porque lhe deram uma alma assim? Mas sofrera também. Durante as três terríveis horas que durara a peça, vivera séculos de dor, eternidades de tortura. A sua vida valia bem a dela. Se ele a ferira para toda a vida, ela magoara-o por um momento. Além disso, as mulheres eram melhor organizadas do que os homens para suportar a dor. Viviam das suas emoções.