A República - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 198 / 290

Em todos estes casos, a alma da maioria dos homens não é obrigada a perguntar ao entendimento o que é um dedo, porque a vista nunca lhe testemunhou ao mesmo tempo que um dedo fosse algo diferente de um dedo.

- Por certo que não - disse ele.

- É portanto natural- prossegui - que semelhante sensação não excite nem desperte o entendimento.

- É natural.

- Ora bem! A vista distingue perfeitamente a grandeza e a pequenez

dos dedos e, a este respeito, é-lhe indiferente que um deles esteja no meio ou na extremidade? E não sucede o mesmo quanto ao tacto em relação à grossura e à finura, à moleza e à dureza? E os dados dos outros sentidos não são igualmente defeituosos? Não é assim que cada um deles procede? Em primeiro lugar, o sentido destinado à percepção do que é duro tem por missão sentir também o que é mole e transmite à alma que o mesmo objecto lhe causa uma sensação de dureza e moleza.

- É assim mesmo.

- Ora, não é inevitável que em tais casos a alma fique embaraçada e pergunte a si mesma o que significa uma sensação que lhe apresenta a mesma coisa como dura e como mole? De igual modo, na sensação de leveza e na de peso, que deve entender por leve e pesado, se uma lhe assinala que o pesado é leve e a outra que o leve é pesado?

- Com efeito - disse ele -, trata-se de estranhos testemunhos para a alma e que exigem uma análise.

- Portanto, é natural- prosegui - que a alma, chamando em seu auxílio o raciocínio e a inteligência, procure compreender se cada um desses testemunhos incide sobre uma coisa ou sobre duas.

- Sem dúvida.

- E, se julgar que são duas coisas, cada uma delas parecer-lhe-á uma e distinta da outra.

-Assim é.

- Portanto, se cada uma lhe parecer uma e outra duas, concebê-las-á como separadas; com efeito, se não estivessem separadas, não as conceberia como sendo duas, mas uma.

- É exacto.

- A vista apreendeu, segundo dizemos, a grandeza e a pequenez não separadas, mas confundidas conjuntamente, não foi?

- Foi.

- E, para esclarecer esta confusão, o entendimento é obrigado a ver a grandeza e a pequenez não já confundidas, mas separadas, contrariamente ao que fazia a vista.

- É verdade.

- Ora, não é daí que nos vem a ideia de perguntarmos a nós mesmos o que é a grandeza e a pequenez?

- Com certeza.

- E foi assim que definimos o inteligível e o visível.

- Precisamente.





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