Com efeito, não pretende que foi ele, Palamedes, quem, depois de ter inventado os números, dispôs o exército em ordem de batalha diante de flion e fez a contagem dos navios e do resto, como se antes dele nada tivesse sido contado e Agamémnon não soubesse, aparentemente, quantos pés tinha, visto que não sabia contar? Que general seria este, na tua opinião?
- Um general singular - disse ele -, se isso fosse verdade.
- Nesse caso - continuei -, consideraremos necessária ao guerreiro a ciência do cálculo e dos números.
- É-lhe absolutamente indispensável, se quiser perceber alguma coisa da ordenação de um exército, ou, antes, se quiser ser homem.
- Agora - perguntei -, fazes a mesma observação que eu a propósito desta ciência?
- Qual?
- Que poderia ser uma dessas ciências que procuramos e conduzem naturalmente à pura inteligência; mas ninguém a utiliza como deveria, embora esteja perfeitamente apta a elevar até ao ser.
- Que queres dizer?
- Vou-te explicar a minha ideia; o que distinguir como apto ou não a conduzir ao objectivo de que falamos, considera-o comigo, depois dá ou recusa a tua aprovação, a fim de que possamos ver mais claramente se as coisas são como as imagino.
- Mostra de que se trata.
- Mostrar-te-ei, se quiseres olhar, que entre os objectos da sensação uns não convidam o espírito ao exame, porque os sentidos bastam para julgar, ao passo que os outros convidam insistentemente a isso, porque a sensação, a seu respeito, não proporciona nada de são.
- Falas, sem dúvida, dos objectos vistos a grande distância e dos desenhos em perspectiva.
- Não compreendeste nada do que quero dizer.
- De que queres falar, então? - perguntou.
- Por objectos que não provocam a análise - respondi - entendo os que não dão ensejo, ao mesmo tempo, a duas sensações opostas; e considero os que dão ensejo a isso como provocadores da análise, visto que, quer os vejamos de perto ou de longe, os sentidos não indicam que sejam isto e não o contrário. Mas compreenderás mais facilmente o que quero dizer da seguinte maneira: eis aqui três dedos, o polegar, o indicador e o médio.
- Muito bem - disse ele.
- Imagina que os disponho vistos de perto; agora, faz comigo esta observação.
- Qual?
- Cada um deles parece-nos um dedo; pouco importa que esteja no meio ou na extremidade, que seja branco ou preto, grosso ou fino, e assim por diante.