A República - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 230 / 290

- Pois bem! Na minha opinião, a democracia surge quando os pobres, tendo alcançado a vitória sobre os ricos, massacram uns, expulsam outros e dividem igualmente com os que ficam o governo e os cargos públicos; e a maior parte das vezes estes cargos são atribuídos por sorteio.

- É assim mesmo, com efeito, que se institui a democracia, quer pela via das armas, quer pelo medo que obriga os ricos a retirarem-se.

- Agora - prossegui - vejamos de que maneira essa gente se administra e o que pode ser uma tal constituição. Assim, é evidente que o indivíduo que se lhe assemelha nos descobrirá os aspectos do homem democrático.

- É evidente.

- Em primeiro lugar, não é verdade que são livres, que a cidade transborda de liberdade e de linguagem franca e que se pode fazer o que se quer?

- Pelo menos, é o que se diz - respondeu.

- Ora, é evidente que em toda a parte onde reina tal liberdade cada um organiza a sua vida como lhe aprazo

- É evidente.

- Encontraremos, portanto, suponho eu, homens de toda a espécie neste governo, mais do que em qualquer outro.

- Como não?

- Assim - continuei -, é provável que seja o mais belo de todos. Como um trajo variegado que ostenta toda a gama das cores, oferecendo toda a variedade dos caracteres, poderá parecer de uma beleza perfeita. E talvez - acrescentei - muita gente, semelhante às crianças e mulheres que admiram as miscelâneas de cores, decida que é o mais belo.

- Certamente.

- E é aí, bem-aventurado amigo, que é cómodo procurar uma constituição.

- Porquê?

- Porque aí se encontram todas, graças à liberdade reinante; e parece que quem pretende fundar uma cidade, o que fazíamos há pouco, é obrigado a dirigir-se a um estado democrático, como a um bazar de constituições, para escolher a que prefere e, a partir desse modelo, realizar em seguida o seu projecto.

- É provável- disse ele - que não lhe faltem modelos.

- Nesse Estado - prossegui - não se é obrigado a mandar se não se for capaz, nem a obedecer se não se quiser, assim como a fazer a guerra quando os outros a fazem, nem a ficar em paz quando os outros ficam, se não se desejar a paz; por outro lado, mesmo que a lei proíba ser magistrado ou juiz, isso não evita que se possam exercer essas funções, se se quiser. À primeira vista, não é uma condição divina e deliciosa?

- Sim, talvez à primeira vista - respondeu.





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