A República - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 234 / 290

- E, em seguida, como vive ele? Suponho que não dispensa menos dinheiro, esforços e tempo para os prazeres supérfluos do que para os necessários. E, se é bastante feliz para não levar a sua loucura dionisíaca demasiado longe, mais avançado em idade, tendo ultrapassado o perigo do tumulto, acolhe uma parte dos sentimentos banidos e deixa de entregar-se inteiramente aos que os tinham suplantado; estabelece uma espécie de igualdade entre os prazeres, confiando o comando da sua alma àquele que se apresenta como oferecido pela sorte, até que seja saciado, e em seguida a outro; não despreza nenhum, mas trata-os em pé de igualdade.

- É exacto.

- Mas não acolhe nem deixa entrar na cidadela o justo discurso de quem lhe vem dizer que certos prazeres derivam de desejos belos e honestos e outros de desejos perversos, que é preciso procurar e honrar os primeiros, reprimir e domar os segundos; a tudo isto responde com sinais de incredulidade e defende que todos os prazeres são da mesma natureza e se deve estimá-los igualmente.

- Na disposição de espírito em que se encontra - disse ele -, não pode agir de outro modo.

- Vive assim - prossegui - dia após dia e abandona-se ao desejo que se apresenta. Hoje embriaga-se ao som da flauta, amanhã beberá água pura e jejuará; ora se exercita no ginásio, ora fica ocioso e não se preocupa com nada, ora parece mergulhado na filosofia. Muitas vezes ocupa-se de política e, saltando para a tribuna, diz ou faz o que lhe passa pelo espírito; sucede-lhe invejar a gente de guerra? - ei-lo que se torna guerreiro; os homens de negócios? - ei-lo que se lança nos negócios. A sua vida não conhece nem ordem nem necessidade, mas considera-a agradável, livre, feliz e mantém-se-lhe fiel.

- Descreveste perfeitamente - disse ele - a vida de um amigo da igualdade.

- Creio - prossegui - que ele reúne todas as espécies de traços e caracteres e que é realmente o homem variegado que corresponde à cidade democrática. Por isso muitas pessoas dos dois sexos invejam o seu género de existência, em que se encontra a maior parte dos modelos de governos e costumes.

- Compreendo.

- Pois bem! Classifiquemos este homem em face da democracia, visto que foi com razão que o denominámos democrático.

- Sim, classifiquemos - concordou.

- Resta-nos agora estudar a mais bela forma de governo e o mais belo carácter, quero dizer a tirania e o tirano.

- Perfeitamente.





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