A República - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 266 / 290

- E o marceneiro? Não disseste há pouco que não fazia a Forma ou, segundo nós, o que é a cama, mas uma cama particular? - Com efeito, disse.

- Ora, se não faz o que é, não faz o objecto real, mas um objecto que se assemelha a este, sem ter a sua realidade; e, se alguém dissesse que a obra do marceneiro ou de qualquer outro artesão é perfeitamente real, seria provável que isso fosse falso, não é assim?

- Seria, pelo menos, a ideia dos que se ocupam de tais questões.

- Por conseguinte, não nos admiremos que essa obra seja algo de obscuro, comparado com a verdade.

- Não.

- Queres agora que, apoiando-nos nestes exemplos, procuremos descobrir o que pode ser o imitador?

- Se o quiseres - disse ele.

- Assim, há três espécies de camas; uma que existe na natureza das coisas e de que podemos dizer, julgo eu, que Deus é o autor - de outro modo, quem seria...

- Ninguém, na minha opinião.

- Uma segunda é a do marceneiro.

- Sim, é.

- E uma terceira, a do pintor, não achas?

- Seja.

- Assim, pintor, marceneiro, Deus são três que presidem à forma destas três espécies de camas.

- Sim, três.

- E Deus, ou porque não quis agir de modo diferente, ou porque uma necessidade qualquer o obrigou a não fazer senão uma cama na natureza, fez unicamente essa que é realmente a cama; mas duas camas desta espécie, ou várias, Deus nunca as produziu nem as produzirá.

- Porquê? - perguntou.

- Porque, se fizesse somente duas, manifestar-se-ia uma terceira de que essas duas reproduziriam a Forma e esta cama é que seria a cama real, não as outras duas.

- Tens razão.

- Deus, sabendo isso, penso eu, e querendo ser realmente o criador de uma cama real e não o fabricante particular de uma cama particular, criou essa cama única por natureza.

- Assim parece.

- Queres então que dêmos a Deus o nome de criador natural deste objecto ou qualquer outro nome semelhante?

- Será justo - disse ele -, visto que criou a natureza desse objecto e de todas as outras coisas.

- E o marceneiro? Chamar-lhe-emos o obreiro da cama, não é verdade? -Sim, é.

- E chamaremos ao pintor o obreiro e o criador desse objecto?

- De modo nenhum.

- Que é ele então, diz-me, em relação à cama?

- Parece-me que o nome que lhe conviria melhor é o de imitador daquilo de que ou outros dois são os obreiros.

- Seja. Chamas, portanto, imitador ao autor de uma produção afastada três graus da natureza.

- Perfeitamente - disse ele.





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