A República - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 4 / 290

E eu, encantado com as suas palavras e desejoso de continuar a ouvi-lo, provoquei-o e disse-lhe:

— Suponho, Céfalo, que a maior parte dos ouvintes, quando falas assim, não te aprovam e pensam que suportas facilmente a velhice, não graças ao teu carácter, mas graças às tuas abundantes riquezas; para os ricos, com efeito, diz-se que há muitas consolações.

— É verdade — respondeu ele —, não me aprovam. E têm certa razão, mas não tanta como julgam. É boa a resposta de Temlstocles, que, ao serifiano, que o injuriava e acusava de não dever a reputação a ele mesmo, mas à pátria, replicou: «Se eu fosse serifiano, não me teria rornado célebre, mas tu também não, se fosses ateniense.» A mesma observaçáo aplica-se aos que não são ricos e suportam a custo a idade avançada, dado que nem o sábio tolera com perfeita acomodação a velhice que acompanha a pobreza, nem o insensato que enriqueceu se põe de acordo consigo mesmo.

— Mas, Céfalo — repliquei —, do que possuis, recebeste em herança ou adquiriste tu mesmo a maior parte?

— O que adquiri, Sócrates? Quanto a riquezas, ocupo o meio-termo entre o meu avô e o meu pai. O meu avô, de quem uso o nome, tendo herdado uma fortuna mais ou menos igual à que possuo agora, multiplicou-a. Mas Lisanias, o meu pai, deixou-a um pouco abaixo do seu nível actual. Por mim, contento-me em deixar a estes jovens não menos, mas um pouco mais do que o que recebi.

— Fiz-te a pergunta — disse eu — porque me pareceu que não amas excessivamente as riquezas; é assim que fazem, na sua maioria, os que não as adquiriram por si mesmos. Mas os que as adquiriram prezam-se duas vezes mais que os outros. Com efeito, do mesmo modo que os poetas prezam os seus poemas e os pais os seus filhos, também os homens de negócios se prendem à sua fortuna, porque é obra deles, e devido à sua utilidade, como os outros homens. Por isso são de trato difícil, negando-se a exaltar outra coisa que não seja o dinheiro.





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