A República - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 40 / 290

— Regala-te, sem medo, com os teus discursos: não te contradirei, a fim de não provocar o ressentimento da assembleia.

— Pois bem, continuemos! Sacia-me com o resto do festim, continuando a responder. Acabamos de ver que os homens justos são mais sábios, melhores e mais poderosos na acção do que os homens injustos e que estes são incapazes de agir harmonicamente — e, quando dizemos que por vezes levaram vigorosamente a bom termo um assunto em comum, não é, de maneira nenhuma, a verdade, porque uns e outros não seriam poupados se tivessem sido totalmente injustos; por isso, é evidente que havia neles uma certa justiça que os impediu de se prejudicarem mutuamente, na época em que causavam dano às suas vítimas, e que lhes permitiu fazer o que fizeram; lançando-se nas suas injustas empresas, só em parte estavam pervertidos pela injustiça, visto que os inteiramente maus e os totalmente injustos são também inteiramente incapazes de fazer seja o que for. Eis como eu o compreendo, e não como tu supunhas ao princípio. Agora, temos de examinar se a vida do justo é melhor e mais feliz do que a do injusto: questão que tínhamos adiado para análise ulterior. Ora, parece-me que isso é evidente, de acordo com o que dissemos. Contudo, devemos analisar melhor o caso, dado que a discussão não incide sobre uma bagatela, mas sobre o modo como temos de regular a nossa vida.

— Então, analisa — disse ele.

— Vou fazê-lo — respondi. — E diz-me: parece-te que o cavalo tem uma função?

— Sim, parece.

— Ora, indicarias como função do cavalo, ou de qualquer outra criatura, o que só pode ser feito por ele ou o que se faz melhor com ele?

— Não compreendo — disse.





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