Histórias Extraordinárias - Cap. 1: MÃO ESCURA Pág. 4 / 136

Por minha vez, fitei-o com interesse, porque nunca vira um homem cujo físico fosse a tal ponto digno de chamar a atenção de um médico. Possuía a estatura de um gigante, mas tinha-se deixado descair, e o casaco pendia a direito desde os largos ombros ossudos, de um modo um pouco ridículo. Os seus membros eram formidáveis e, apesar disso, emagrecidos; tinha pulsos ossudos e compridas mãos nodosas. Mas eram os olhos (aqueles olhos inquisidores, azuis claros) que constituíam a particularidade mais impressionante do personagem. Não apenas pela sua cor, nem pelo emaranhado de pêlos debaixo dos quais se camuflavam, mas pela sua expressão. Atendendo ao aspecto imponente do meu tio, os seus olhos deveriam brilhar com uma certa arrogância. Pelo contrário! O seu olhar era o de um cão cujo dono acaba de pegar numa chibata, traduzindo uma grande angústia moral. Formulei logo mentalmente o meu diagnóstico: atingido por uma doença muito grave, o meu tio sabia-se exposto a uma morte súbita, e vivia no terror de sucumbir. Sim, foi o que diagnostiquei. A sequência dos acontecimentos mostrará que me tinha enganado: só menciono a minha primeira impressão porque ela talvez ajude a imaginar o olhar do meu tio.

Acolheu-me, portanto, com imensa cortesia e, uma hora mais tarde, encontrava-me sentado entre ele e a mulher em frente de um jantar confortável; havia na mesa iguarias bizarras, apimentadas, e atrás da sua cadeira um criado oriental furtivo e pronto. O velho casal chegara a esta trágica contrafacção da aurora da vida, quando o marido e a esposa, tendo perdido todos os familiares, se encontram face a face e sós; a sua tarefa está realizada, o desenlace aproxima-se a passos largos. Os vencedores da grande prova da existência são os que alcançaram este estádio na paz e no amor, e que são capazes de transformar o seu Inverno num suave Verão das Índias.





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